Júlio Costa: personagem desta crônica
Luiz Antônio Costa | O Som da Memória
Como qualquer pessoa, ele tinha suas falhas. Mas deixou, ao longo da vida, um legado de ética, justiça e trabalho que carrego comigo até hoje.
Tinha um jeito único de fazer tudo: a maneira de falar, de andar, de trabalhar. E trabalho nunca foi algo que recusasse, por mais pesado ou difícil que fosse. Teve duas profissões ao longo da vida. Primeiro, foi guarda-freios na Rede Mineira de Viação, que mais tarde se tornou a Rede Ferroviária Federal, depois Ferrovia Centro Atlântica e, finalmente, VLi. Um acidente interrompeu esse caminho – caiu do trem em serviço. Transferido para a Empresa Brasileira de Telégrafos, a antiga EBT, hoje conhecida como Correios, encontrou uma ocupação menos arriscada.
Com muito sacrifício, carregando cimento na sua bicicleta preta, construiu uma casa grande para os padrões da época. De tijolos, com três quartos, sala, copa, cozinha, um espaço para o comércio, um pequeno alpendre e um quintal enorme. Essa casa ainda está lá, na Rua Manuel Damas, esquina com a Presidente Vargas, número 2806. Pelo menos por fora, continua quase igual ao que era no fim dos anos 1960, quando foi erguida. No lado norte, havia um curral, onde ele ordenhava cerca de dez vacas. Criava também galinhas e porcos, mantidos em um chiqueiro bem organizado, feito de concreto. Minha irmã, Joana Darc, a Darquinha, e eu, com a ajuda de nossa mãe, dona Dina, tínhamos a missão de mantê-lo impecavelmente limpo.
Nos fundos do quintal, havia canteiros de tomate, jiló, couve, alface, abobrinha e um parreiral de chuchu, onde os jovens do bairro se reuniam para brincadeiras dançantes. As verduras e legumes eram frequentemente compartilhados por minha mãe com os vizinhos, que retribuíam com quitandas – bolo de fubá, rosca caseira e pão de queijo.
A cada três meses, mais ou menos, ele matava um porco. Fritava o toucinho e guardava a carne em latas de 20 quilos. Minha mãe saía pelo bairro distribuindo pedaços daqueles enormes "capados", criados com lavagem conseguida por ele na cidade, onde conhecia quase todas as famílias para as quais entregava cartas.
Ela lavava roupas fervendo-as em um fogareiro improvisado, feito com latas de 20 litros, abastecido com serragem que eu buscava numa serraria perto de casa, do senhor Manuel "Português", dono também da venda do bairro, depois vendida para "seu" Geraldo.
Tínhamos um caminhão Chevrolet 49, usado para buscar lenha na zona rural e vendê-la metro a metro na cidade, complementando a renda da família, que na época tinha seis filhos – depois, fomos oito. Também havia uma perua de madeira, linda, de fábrica. Foi nela que dei meus primeiros passos na direção, sem que ele soubesse, claro. Ele era rigoroso demais para permitir que eu pegasse o carro sem permissão.
O tempo passou. Ele se aposentou dos Correios e começou a pescar com os amigos. Nessa fase, passou a beber, algo que nunca havia feito antes. Tornou-se alcoólatra, mas nunca se envolveu em confusão. Algumas estripulias, no entanto, ficaram marcadas, como atravessar os trilhos com um caminhão – ainda sem passarela – e se espatifar do outro lado.
Lembro-me de uma única vez que fui pescar com ele. Ao voltar para casa, por volta das sete da noite, contei entusiasmado para minha mãe:
– Mãe, eu fisguei um peixe enorme, mas ele escapou!
Ele, sem perder a oportunidade:
– Pronto! Nem sabe pescar e já aprendeu a mentir!
Os amigos de pescaria caíram na gargalhada.
Um câncer na garganta e na língua, seguido de uma traqueostomia, tiraram sua voz, sua bebida, seu café, paixão que nunca negava. Mas seguiu altivo, caminhando por toda parte. Faleceu em 1988, ainda jovem, aos 55 anos, vítima da doença.
Esses fragmentos contam a história de um homem simples, cheio de defeitos – quem não os tem? –: Júlio Costa. Para a cidade, era o "Júlio Carteiro". Para mim, era meu pai. Erros, ele teve como qualquer um, mas sua herança foi maior: ética, justiça, fidelidade e trabalho. Valores que meus irmãos e eu carregamos até hoje.