
Rede Hoje
Administrar mesmo um município já é um desafio. Não é diferente em qualquer parte do país: decisões agradam a uns, irritam a outros, geram dúvidas e exigem escolhas difíceis. Quando a estrutura administrativa cresce, as dificuldades crescem junto. Uma cidade grande já cria distâncias entre sua sede e suas regiões periféricas; imagine então um estado do tamanho de Minas Gerais, com 853 municípios distribuídos por 588 mil quilômetros quadrados. Governar um território dessas proporções é, por definição, governar ausências.
É neste vácuo que ressurge, com força histórica e legitimidade renovada, o movimento de emancipação política do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. O tema não é novo — ele retorna ciclicamente, sempre que a região percebe que suas demandas não se encaixam no ritmo da administração central. Essa percepção se mantém mesmo agora, quando o atual governador, Romeu Zema, é natural de Araxá, no Alto Paranaíba. Nem a coincidência geográfica foi suficiente para alterar a sensação, enraizada há décadas, de que o Triângulo e o Alto Paranaíba recebem menos do que entregam a Minas.
Em tempos de debate sobre federalismo, revisão administrativa e redesenho de políticas públicas, a discussão ganha ainda mais peso. Minas Gerais precisa reconhecer que seu futuro econômico e estratégico passa, inevitavelmente, pelo Triângulo. Ignorar isso é desperdiçar oportunidades concretas. E esse raciocínio não pode se limitar à região mais rica do estado: outras áreas consideradas historicamente “pobres”, como o Norte de Minas, já revelam potencial de grande valor, como as reservas de terras raras — minerais essenciais para tecnologia de ponta, cuja demanda mundial só cresce.
A verdade é que Minas tem, em praticamente todas as suas regiões, vocações claras de autossustentabilidade. O Jequitinhonha avança na produção agrícola e energética; o Vale do Aço é industrial por natureza; a Zona da Mata ressurge com a economia de serviços e universidades; o Sul e Sudoeste mantêm força no agro e na indústria leve. Cada uma dessas regiões poderia ser gerida com maior autonomia, maior proximidade administrativa e prioridades adequadas às suas realidades.
O ponto central é simples: o estado cresceu, modernizou-se, diversificou-se — mas o modelo de gestão continua ancorado em estruturas que não acompanham mais sua complexidade. O Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, por exemplo, formam hoje um dos principais polos agroindustriais do país, com infraestrutura própria, universidades fortes, logística integrada e poder econômico que conversa mais com Brasília e São Paulo do que com Belo Horizonte. Mesmo assim, decisões estratégicas continuam atravessando uma distância política e física que dificulta respostas rápidas.
Reabrir o debate sobre emancipação não significa defender rupturas precipitadas, mas reconhecer que o atual modelo administrativo não atende com a eficiência necessária. Trata-se de discutir alternativas: descentralização real, criação de estruturas regionais mais robustas, revisão de prioridades orçamentárias e uma política de desenvolvimento que dialogue com as especificidades de cada território mineiro.
O Triângulo não quer caridade. Quer proporção: entre o que entrega e o que recebe; entre o que representa e o que lhe é devolvido; entre sua importância econômica e o espaço que ocupa no projeto estadual. O mesmo vale para o Norte, o Jequitinhonha, o Vale do Rio Doce e tantas outras regiões que, por décadas, foram reduzidas a rótulos imprecisos como “ricas” ou “pobres”.
Se Minas quer se reinventar para o século XXI, precisa começar por reconhecer que é múltipla — e que seu mapa econômico, social e político pede urgência em uma reconfiguração. O debate sobre emancipação do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é apenas um dos sinais dessa necessidade.
Talvez emancipar não seja a resposta. Mas ignorar a pergunta, definitivamente, não é uma opção.