
Há um momento na vida em que a morte deixa de ser apenas uma palavra distante e passa a ter nomes conhecidos.
É quando os amigos começam a partir. Nesse instante, percebemos que não é só a ausência deles que dói, é a sensação de que estamos ficando velhos.
Cada amigo que se vai leva consigo um pedaço da nossa juventude, das histórias mal contadas, das risadas sem hora para acabar, dos sonhos que pareciam eternos. A morte deles nos confronta com o tempo, com o espelho que já não reflete quem éramos, mas quem estamos nos tornando.
O silêncio deixado por essas partidas é diferente. Ele pesa. Ele lembra que o tempo não caminha ao nosso lado, ele caminha sobre nós. E, de repente, começamos a contar aniversários não pelo que virá, mas por quem já não está mais aqui para celebrar.
Envelhecer, então, deixa de ser apenas uma questão de idade. Passa a ser uma soma de ausências. Um acúmulo de saudades. Um aprender doloroso de que sobreviver também é uma forma de luto.
O trem da vida segue seu curso sem pedir licença. Em cada estação, ele chega silencioso e parte levando consigo aqueles que amamos. Primeiro vão os avós, depois, pouco a pouco, começam a subir nossos pais, amigos, irmãos, um a um, como passageiros cujo destino já estava marcado. Ficamos na plataforma acenando, tentando guardar no coração o som da voz, o sorriso, os conselhos e até as ausências que agora doem mais.
A vida nos ensina, às vezes de forma cruel, que ninguém permanece para sempre no mesmo vagão. Alguns seguem viagem cedo demais, outros descem após longos anos de caminhada ao nosso lado. E nós, que ficamos, aprendemos a lidar com os vazios, a transformar saudade em memória e dor em amor silencioso.
O trem não para. Ele continua avançando, enquanto seguimos aprendendo a valorizar cada encontro, cada conversa e cada abraço como se fosse o último. Porque um dia, sem aviso, será nossa vez de embarcar, e o que restará será a marca que deixamos naqueles que ficaram na estação.
Cada vez que alguém parte no trem da vida, não é só um adeus que fica para trás, é um pedaço nosso que vai junto. Algo que se desprende silenciosamente, como uma folha que cai de uma árvore.
A árvore permanece de pé, mas já não é a mesma. Suas sombras mudam, seus galhos ficam mais leves, e o vento passa com um som diferente.
Assim somos nós. A cada pai, mãe, amigo ou irmão que parte, perdemos risadas que não voltarão, histórias que só faziam sentido com aquela presença, hábitos que agora parecem estranhos no vazio. Ficamos tentando entender como seguir inteiros quando sentimos que estamos sendo, pouco a pouco, desfolhados pelo tempo.
E ainda assim, seguimos. Porque a árvore, mesmo quase nua, continua viva. Ela aprende a suportar o frio, a guardar forças, a esperar. As folhas que caíram viram memória, viram raiz, viram chão fértil para o que fomos e para o que ainda seremos. A dor não nos mata, ela nos transforma.
No fundo, viver é isso: aprender a permanecer em pé mesmo quando o vento leva partes de nós. E compreender que, enquanto houver raiz, haverá vida, lembrança e amor.
*Elza Lima é empresária e escritora; mora em São Matheus, Espírito Santo e escreve regularmente para a Rede Hoje