
Imagem de Nicholas Panek por Pixabay
Conto de Natal | Maria Helena Malagoli
Vovô conte uma história, mas uma história linda de Natal,
Daquelas que fazem a gente chorar e sonhar!
O velho ancião passando a mão pela alva cabeleira,
Ajeitando-se mais no encosto da cadeira, começou a falar:
Era uma vez um menino, como tantos meninos, donos de imenso coração.
Mas era tão pobre o pequeno, doente, franzino, de pés no chão.
Vivia a vagar pelas ruas, sem destino, solitário, sem abrigo, sem irmão.
Órfão de mãe, de amor, de carinho, de proteção.
Aqui, acolá, desnudo, faminto mendigava pão.
Seu teto era o firmamento, seu refrigerante, cola de sapateiro, sua cama o chão.
Com as drogas enganava o estômago vazio, mas definhava a débil criatura.
Os homens de bem lhe cerravam as portas, com medo do pivete,
menino de rua, como se o asfalto pudesse gerar gente e não violência,
doença, demência, morte prematura.
É Natal, lá vai ele curioso, espiando as vitrines enfeitadas em luz.
Tudo o seduzia e como qualquer menino ele sonha em ter aquilo um dia.
Sem se incomodar com a chuva, o vento a fustigar-lhe a pele nua, arrepiada, fria.
Pára diante de um lindo presépio, esquecendo por momento sua pesada cruz.
Fixa na retina aquela sagrada família: Jesus bebê, José e mãe Maria.
Sai dali inebriado, cheio de esperança, tonto de imensa alegria.
Fora tocado pelo transcendental, vira um doce sorriso nos lábios de Jesus.
Naquele instante sagrado se viu totalmente curado, sem nenhuma aflição.
Olhou para o céu agora estrelado, um calor inundou seu peito, vibrou terno o coração.
Viu com os olhos d’alma um anjo numa nuvem brilhante anunciando o Senhor.
Atordoado por tanta beleza, prostrou o rosto no chão em respeitosa oração.
Deixou que as lágrimas caíssem e com voz embargada pela emoção falou com amor:
Meu Deus do céu, eu não aprendi a rezar,
Mas, sei de tanto sofrer na pele que somente em ti posso confiar.
Tantos meninos iguais a mim, por este mundo sem ninguém…
A gente só queria uma mãe, comida e uma casa também.
Sei que estou pedindo demais, mas abençoa as nossas marquises, teto e pão.
Mas Jesus me disse ainda hoje, que Ele tem a solução.
Depois disso, cansado, o pequenino adormeceu e sonhou.
Estava no paraíso, viu sua mãe sorrindo, belos querubins cantando,
uma esplendorosa árvore de Natal enfeitada com um belíssimo sino.
Embaixo dela pacotes com presentes e o mais legal é que tinha o nome da gente.
Ansioso esperava pela meia-noite para celebrar o aniversário do Deus-menino.
Vozes angelicais, cristalinas falavam de Belém, Nazaré em suave hino.
O infante vibrava feliz, se sentindo no céu, protegido, sem medo, sem rancor.
Embalado por fluidos de luz, esquecido de sua amarga vida, de seu triste destino.
Tendo agora no rosto um terno sorriso e coração pleno de amor.
A linda cabecinha, com cabelos em desalinho, descansava serena nos ombros de Jesus, seu bom pastor.
Envolto pela magia do Natal, aconchegado ao Pai Consolador.
Manhã de Natal, bem cedinho, os sinos repicavam chamando os fiéis.
Renasceram para a vida imortal, verdadeira, ancorado em seguro porto.
Encolhidinho num canto da igreja, um corpo jazia em paz, inerte.
O nosso menino de rua alcançara seu último voo terrestre, estava morto.
Terminando de falar, o ancião se abateu em profunda comoção e a netinha soluçando exclamou:
— Que tristeza vovô, que judiação! Quem era esse menino, ele existiu?
No que seu avô respondeu baixinho:
— Sim querida, ele existiu e existe em todo lugar, ele é nosso irmão!