Foto: Stefan Keller | Pixabay
Certa vez, estava eu e mais cinco pessoas em uma sala de espera. Todas grudadas em seus celulares, apenas eu com um livro. Senti-me tão deslocado como um ET. Mas a moça da piscina nada tinha a ver com ETs: era linda e graciosa e lia absorta, desligada do mundo à sua volta.
No fim da tarde, encontrei-a na varanda do hotel ainda com o livro na mão. Rosto bonito, uns belos olhos verdes expressavam uma energia vivificadora. Imaginei que estaria lendo coisas banais como livros de autoajuda, de como ficar rico .lendas esotéricas, ou algum best-seller do momento. Aproximei-me, meio acanhado, e fiquei surpreso ao ver que lia “O Livro do Desassossego”. Sozinha, no sossego da tarde de Araxá , lia Fernando Pessoa. Falou-me de suas leituras, fiz comentários sobre alguns livros e sobre o seu autor. Lembramos a grande exaltação de Fernando Pessoa à sua pátria, à glória dos descobrimentos(Ó mar salgado/quanto do teu sal/são lágrimas de Portugal./ Quantos filhos choraram/quantas mães rezaram/quantas noivas ficaram sem casar/ para seres nosso, ó mar). Fiquei mais surpreso ainda quando me disse que estava lendo, também, resenhas e artigos sobre a Divina Comédia, se preparando para ler a grande e clássica obra de Dante, publicada em 1321, Extrovertida, a conversa corria solta, agradável. A leveza dos gestos e a forma gentil de se expressar absorvia-me tanto quanto a surpresa de seus comentários sobre livros. Não demorei nem dez minutos, encerrei a conversa que gostaria de prolongar pela noite afora. Como ela estava só, tive receio de lhe causar constrangimento, nesta época de máscaras e isolamento social.
No outro dia, domingo, ao voltar bem cedo de uma caminhada pelas alamedas do hotel, lá estava ela novamente na varanda. Cumprimentamo-nos, ela de maneira amável e expansiva. Percebi que estava para usar o celular e, de forma educada, me afastei para sentar no hall do hotel à espera de um momento para voltar a conversar. Para minha surpresa, quando retornei , um dez minutos depois, não estava mais na varanda. E não a vi mais. Não a vi na sala de café. Nem na piscina, nem nos corredores ou mesmo na portaria. Ignoro, se como eu, deixou o hotel naquela manhã.
No enlevo das leituras, não nos apresentamos. Não chegamos à conversa trivial de apresentação: seu nome, de onde veio, o que faz na vida. Assim, não guardei nenhuma referência pessoal da grande leitora. É muito estranho você se identificar com uma pessoa e não guardar nenhuma referência de sua identidade, do local onde vive. Nem mesmo o nome. Talvez seja Beatriz a musa de Dante. Será ela de Belo-Horizonte, de Uberlândia, ou de Franca? Não. Uma moça que em momentos de lazer se dedica a ler Fernando Pessoa e Dante Alighieri não é deste mundo. Deve ser de algum planeta muito mais culto que o nosso, onde as pessoas se dedicam unicamente à leitura de Clássicos. Ou talvez habite o céu de Dante(sem ter passado pelo purgatório, obviamente). Baixou alguns momentos na terra em sua diafaneidade, para conferir se Dante, por ela enamorado e apaixonado, ainda é lido setecentos anos depois.