Um dossiê com todos os prejuízos sofridos pelos cafeicultores mineiros em virtude das recentes geadas e sugestões de medidas urgentes para amenizá-los deve ser entregue à ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, nos próximos dias. A expectativa é que o cenário trágico enfrentado pelos produtores, conforme levantamento apurado pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), sensibilize o governo federal.

A visita iminente à ministra foi confirmada pela titular da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Ana Maria Valentini, em audiência pública da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada na tarde desta terça-feira (10/8/21). O debate atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Delegado Heli Grilo (PSL), e também do deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB), 2º-vice-presidente da ALMG.

A discussão aconteceu no dia seguinte à divulgação, pela Organização das Nações Unidas (ONU), do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que traçou um quadro alarmante sobre o impacto das ações humanas no aumento da temperatura na Terra que traz, como umas das consequências, eventos climáticos extremos.

As regiões cafeeiras mineiras, por exemplo, conforme lembrou Antonio Carlos Arantes, já haviam sofrido com geadas em 2019, seca no ano passado e, agora, desde o final de junho, nova onda de geadas sem precedentes, a pior delas nos dias 22 e 23 do mês passado. E o problema ainda não acabou, com as previsões meteorológicas de uma nova onda de frio ainda em agosto, com possibilidade de geadas, embora de menor intensidade.

“Se você perde 20% da safra, é possível dar um jeito, mas pra quem perdeu 100%, não dá. Em algumas plantações na divisa de Minas com São Paulo não sobrou nem um pé de café. Muitos vão ter que replantar tudo. Aqueles que vivem só da cafeicultura estão à beira da fome e por isso precisamos fazer alguma coisa para socorrê-los”, avaliou Antonio Carlos Arantes, que apresentou, ainda no início da reunião, um vídeo com depoimentos emocionados de vários cafeicultores do Sul de Minas.

O apelo foi referendado pelo Delegado Heli Grilo, que lembrou que as geadas de julho atingiram quase 20% dos cafezais do Estado, mas foram avassaladoras mesmo no Sul de Minas, onde esse percentual ultrapassou 77%. “É realmente muito preocupante, isso sem contarmos os impactos para outros produtores, como os de frutas e hortaliças”, destacou. Além do Sul, as outras duas principais regiões cafeicultoras mineiras são o Alto Paranaíba e o Triângulo Mineiro, ambas também atingidas pelas geadas.

Segundo Bernardino Guimarães, estima-se que mais de 9.500 produtores foram prejudicados pelas geadas no Estado 
Segundo Bernardino Guimarães, estima-se que mais de 9.500 produtores foram prejudicados pelas geadas no Estado - Foto:Willian Dias


Emater –
 Coube à Emater dimensionar a tragédia que se abateu sobre os cafeicultores. Um levantamento feito pelos técnicos da instituição, ainda no final de julho, em dez das suas 32 unidades regionais, apontou que, nos 194 municípios mineiros consultados, 170 registraram ocorrência de geada em suas regiões cafeeiras (87,6%). Os resultados desse estudo foram apresentados na audiência pelo coordenador da Cafeicultura da Emater, Bernardino Cangussu Guimarães.

estimativa da área total atingida foi de 173.679 hectares, com destaque negativo, nesta ordem, para as regiões de Alfenas (52.152 ha), Patos de Minas (37.201 ha), Guaxupé (22.693 ha), Passos (19.817 ha) e Lavras (18.435 ha). Dessas, somente Patos não se situa no Sul do Estado e lá foram registradas geadas classificadas como moderadas. E, no Sul de Minas, além da maior intensidade do fenômeno, há o agravante do maior número de pequenos produtores, com impactos sociais mais relevantes, conforme lembrou Bernardino Guimarães.

Nessa linha, o levantamento da Emater aponta a estimativa de 9.540 produtores prejudicados no Estado. Desses, numericamente, 86,9% estão no Sul de Minas, sendo que 2.620 estão na região de Alfenas, 2.020 em Guaxupé, 1.520 em Lavras, 1.410 em Passos, as mais atingidas, contra apenas 370 em Patos de Minas, embora a área lá seja significativa. “Em Alfenas, por exemplo, o mais grave é que a geada afetou a planta internamente”, disse.

Entre os atingidos, conforme lembrado na audiência na ALMG, estão inclusive os chamados viveiristas, responsáveis pela criação de mudas de café, trabalho indispensável para a expansão da cultura no Estado, que tem raízes históricas na produção de café.

Desafio agora é continuar produzindo em meio a dívidas

A situação financeira dos produtores é a questão mais urgente a ser equacionada, segundo reconhece a secretária Ana Maria Valentino. “Além das dívidas, precisamos de novos recursos para a renovação do parque cafeeiro. Vamos ter que alongar as parcelas a vencer até 2023 e temos que lembrar que os pequenos produtores já não têm acesso sequer a recursos de custeio. Suas dívidas são diretamente para revendas e cooperativas”, aponta.

Nesse tópico, a ideia é de uma intervenção do governo federal junto ao Banco do Brasil, um dos pilares do financiamento do setor e que detém boa parte das dívidas dos produtores. Na visita à ministra, ela estará acompanhada de lideranças e técnicos da Secretaria e de outros órgãos especializados, como da Emater.

“Precisamos de um pouco de paciência, pois os técnicos da Emater ainda estão avaliando a reação das lavouras atingidas e, infelizmente, temos a previsão de novas frentes frias. Independentemente disso, estamos finalizando um documento pra levar ao Ministério. Estamos preocupados com a situação dos cafeicultores e buscando tudo que é possível para ajudá-los nesse momento tão difícil”, ressaltou.

“Sempre pensamos na cafeicultura como uma força da economia mineira, mas nos esquecemos que se trata de uma indústria a céu aberto que está sempre sujeita a esse tipo de risco”, acrescentou o subsecretário de Política e Economia Agropecuária da Seapa, João Ricardo Albanez.

Medidas - Além da questão das dívidas de curto prazo, o deputado Professor Cleiton (PSB), oriundo de uma família de cafeicultores, acrescentou outras medidas estruturantes que podem mitigar o drama vivido pelo setor, como a desoneração emergencial de insumos agrícolas, a assistência especializada na renegociação das dívidas e o fortalecimento da atuação no Estado de instituições como Epamig, Embrapa e universidades no apoio técnico a atuação de produtores.

“Na Colômbia, por exemplo, outro grande produtor mundial, a melhoria genética já permitiu o desenvolvimento de variedades mais resistentes. Conforme a ONU apontou, precisamos nos preparar já para eventos extremos do clima. Se não fizermos isso, podemos comprometer o futuro da agricultura em Minas Gerais”, alertou Professor Cleiton.

Por fim, o presidente da Associação dos Cafeicultores do Brasil (Sincal), Armando Mattiello, calculou em 25 milhões de sacas as perdas na produção nacional representadas pela geada, que se somam a outras 20 milhões de sacas pela seca no ano passado.

Esse quadro pode, segundo ele, levar o País, um tradicional exportador, a ter que importar o produto em um futuro próximo para dar conta do mercado interno. “É o momento de repensar a cafeicultura. Os produtores precisam diversificar a produção e, de imediato, precisamos dar ao menos três anos de carência e mais cinco ou seis anos para começar a pagar suas contas”, sugeriu.