Minha sogra, dona Chiquinha (Francisca Fernandes), morou a vida toda na rua Cassimiro Santos, em Patrocínio, MG. Tinha algumas características que hoje é mais comum aos idosos, mas quando a conheci, em 1973, a transformavam numa pessoa antenada, muito bem informada à frente do seu tempo. Por isso mesmo, eu gostava de passar horas com ela numa boa conversa.

Era simples, mas culta. De um amor extremo pelos netos e muito solidária com doentes. Na região da cidade que a conheciam sempre que havia alguém enfermo, especialmente em fase terminal, os parentes sempre apareciam para pedir à dona Chiquinha para fazer companhia.

Todos os dias recebia a visita de minha mulher pela manhã e à tarde ia pra minha casa. Morava sozinha e preferia assim. Só aceitou morar conosco depois de diagnosticada com câncer e merecer cuidados especiais.

Lia tudo o que aparecia. Nunca usou óculos, pois enxergava muito bem. Pelo menos era o que dizia. Gostava de música do seu tempo como “Rapaziada do Brás”, “Abismo de Rosas”. Admirava também música moderna — na época — do grupo brasileiro Pholhas e a creio que a que mais gostou foi “Because i love”, gravada nos anos 70 pela banda inglesa Majority One. Gostava de programas de TV. A televisão era sua companhia. O maior amigo de dona Chiquinha, sem que ele soubesse da existência dela, desde que entrou no ar era Otávio Ceschi Júnior, o “Tavinho”, que apresentava na TV Bandeirantes o programa Dia a Dia. Isso preenchia suas manhãs e dava a informações que ela precisava.

Sempre, minha esposa Márcia contava que sua mãe, ao final do programa, dava bom dia ao apresentador. Eu ouvia, mas não assimilava. Um dia, não sei por que, não apresentei o programa de esportes diário que tinha na rádio e fui almoçar no horário do tal Dia a Dia na casa da minha sogra. No quarto, onde a televisão ficava, ouvi a dona Chiquinha:

Bom dia, Tavinho. Vai com Deus!

Fiquei curioso, cheguei à porta do quarto e perguntei.

Ué, dona Chiquinha, conversando sozinha?

Ela me respondeu:

Não. Tô me despedindo do meu amigo Tavinho, aqui da televisão!

Aquilo foi uma lição de vida para mim. A partir daquele instante passei a ver com outros olhos meus ouvintes, pois senti que a gente é muito importante para as pessoas, especialmente as que vivem sozinhas, principalmente as idosas. Pois, uma pessoa que dona Chiquinha não conhecia – e nunca viria a conhecer – era mais íntima dela que muitas com quem convivia.

Dona Chiquinha — que morreu em janeiro de 2001, com 84 anos, com muito sofrimento, vítima de câncer ósseo, diagnosticado nove meses antes — deixou um legado de sinceridade, solidariedade e muita, muita sabedoria.


Esta cronica integra o livro "O Som da Memória - O retorno" , que será lançado em setembro de 2022