Eis, Sr Antônio Eliziário, motorista do Expresso União, falecido, em 2015, vítima de câncer no pulmão...

ELE PEDIA PARA QUE LESSEM MINHA CRÔNICA EM SEU LEITO DE ENFERMIDADE…. E DEPOIS…. EM SUA SEPULTURA...

(Meu *tbt eterno.(*lembranças) Meu Nobel da Paz. Aqui pensei em deixar de escrever por ter atingido meu ápice como escritor. EU TOQUEI O CORAÇÃO DE UMA PESSOA! Quem já conhece a história não perca tempo na leitura)

Fiz uma viagem com ele para Uberlândia debaixo de um temporal apocalíptico...Uma cortina d'água amedrontadora descia pelo para-brisa do ônibus e a BR 365 se tornou um oceano sem fim...

Ainda na rodoviária de Patrocínio, com a passagem nas mãos, olhava as nuvens negras quase riçando a Serra do Cruzeiro, minha cabeça pedia para não embarcar, mas meus pés foram me levando para dentro do ônibus do Sr Nenê. Poucos passageiros. Todos com semblantes preocupados. O que nos aconteceria naquele viagem?

Da poltrona quatro onde estava, meu foco era somente o motorista e seu ritual. Fui notando ele ajeitar a gravata, o retrovisor, o assento; fui notando o seu profissionalismo, seu cuidado, a sua prudência, a sua calma, o seu domínio, o seu pulso firme no volante, sua rica experiência entrando em ação e por incrível, que pareça, me senti seguro e pude desacelerar, respirar quase sem medo.

Sabia. Nosso destino estava nas mãos de Deus e...dele: O motorista. Saímos sentido Br. 365. Seria 2h de viagem.

Na altura do Bairro Congonhas o temporal se iniciava…

Não via absolutamente nada em minha frente, que não fosse uma cachoeira d'água. O ônibus galeava de um lado para o outro na tormenta, mas nada abalava aquele mestre dos mares. Cena épica.

Governava a nau com pulso firme. Soberano. E como aquilo me acalmava.

Decidi que escreveria uma crônica sobre aquela saga. Olhei seu semblante sereno, olhei para o aguaceiro que jorrava no para-brisa e logo me veio o nome: “O DOMADOR DE TEMPESTADE”...

... Chegando em Uberlândia, deparamos com um cenário apocalíptico nas ruas e avenidas. Árvores derrubadas, muros caídos, carros arrastados, asfalto arrancado e o terminal rodoviário, um caos, sem luz, alagamento geral. A Polícia tentando por ordem naquela tremenda confusão.

Eu procurando por minha filha Melva e ela me procurando naquele cenário armagedônico…

E noticiaram ter sido a maior tempestade em 40/50 anos….

Bom. Então escrevi a tal crônica. Reservei o meu próprio exemplar do jornal Gazeta para o condutor protagonista, mas, por vários dias, não conseguia encontrá-lo.

Até que finalmente, pude vê-lo no pátio da empresa Expresso União. Lá estava ele se preparando para entrar num ônibus que iria para a rodoviária, de lá para alguma cidade da região.

E já tinha dado a partida, deixei tudo de urgente que fazia, corri, alcancei-o e lhe entreguei o exemplar do jornal.

Sério. Muito sério. Disse-me que havia estado doente. Nem me agradeceu. Nem me falou o que tinha. Pensei, dei meu próprio jornal pra ele, ficarei para sempre meu exemplar e ele não vai nem ler, nem “fazer conta”.

A última vez que o vi, passei por ele, quando ajeitava a gravata e seguia para um bebedouro, brinquei: “Bom dia, Sr. "DOMADOR DE TEMPESTADE!”. Nessa altura ele já havia lido a tal crônica, sorriu e me agradeceu. Senti até que gostaria de me dizer mais algumas palavras. Mas, ficou só nisto, pois precisava cumprir o meu horário e ele também. Partiu para a viagem. Vi quando o ônibus saiu pelo portão da empresa e ganhou a rua. O ronco do motor foi se diluindo entre os outros barulhos da Rui Barbosa...

Nunca mais o vi…

Um tempo depois, soube pesaroso de sua morte ocorrida na vizinha cidade de Monte Carmelo...

Foi quando sua cunhada, residente em Lauro de Freitas-BA, encontrou meu e-mail no jornal e me fez uma revelação que quase me fez desidratar de chorar e quase me levou a nocaute.

Disse-me ela que Sr. Antônio Eliziário lhe pedia sempre para que lesse a nossa crônica "O DOMADOR DE TEMPESTADE!”, junto ao seu leito de enfermidade. De certo ela amenizava a sua dor...

E outra revelação que me tocou as cordas da alma: Ele pediu a cunhada para que fizesse a leitura dessa nossa crônica também no silêncio de seu túmulo de morte.

Ele queria ouvi-la além da vida.

Passei dias em lágrimas e ainda hoje essa lembrança me inunda a alma. Uma tempestade de emoção que jamais vou conseguir a domar…

Jamais imaginei que alguém, sobretudo um homem ‘sistemático’, sério daquele, fizesse tanta conta de um texto de minha lavra.

Jamais imaginei que algo escrito por mim servisse de lenitivo para alguém no dolorido crepúsculo de sua existência. Ao ponto de dizer que foi “O MAIOR PRÊMIO QUE RECEBEU DURANTE MAIS DE CINQUENTA ANOS DE PROFISSÃO”

Pensei comigo, minha carreira de escritor/cronista também pode terminar por aqui. Consegui atingir o coração de uma pessoa. O lugar mais sagrado que pode haver.

Nada mais neste mundo chegará aos pés disto. Foi meu Prêmio Nobel da Paz.(Eis os e-mails enviados por sua cunhada):

PREZADO SR. MÍLTON,

Antônio Eliziario, o motorista cumprimentado pelo Senhor na crônica O Domador de Tempestade, faleceu dia 19/06/2015 depois de um longo período de luta contra um câncer de pulmão.

Ele era meu cunhado. Sou casada com o irmão dele.

O motivo desse contato é lhe dizer que seu texto era tido por ele como o mais importante prêmio que ele recebeu em mais de cinquenta anos de profissão.

As circunstâncias em que eu li seu texto para ele pela última vez dá quase uma outra crônica. Pena que me faltem o engenho e a arte.

Receba nosso respeitoso abraço,

Antônia Marina Aparecida de Paula Faleiros e Luiz Antônio dos Santos Faleiros.” (Lauro de Freitas –BA)

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BOA TARDE SR. MÍLTON.

Sábado passado, pouco antes de lhe mandar a mensagem eu havia acabado de cumprir a promessa que fizera ao Antônio Eliziário da última vez que o vi, cinco dias antes de ele morrer.

Nós moramos em Lauro de Freitas e no dia 13/06/2015 fizemos uma visita ao Antônio e mais uma vez li para ele sua crônica. Ele já muito debilitado me pediu que a lesse para ele ‘no dia da última viagem’ e se eu não estivesse presente no dia da última viagem era para eu ir ‘lá naquele lugar e ler para ele’. Foi assim mesmo que ele disse.

Viemos para a Bahia e no dia 19/06/2015, Antônio fez sua última viagem.

Não conseguimos ir para o enterro e somente na semana passada eu fui a Monte Carmelo cumprir a promessa. Fui ao cemitério e junto à sepultura dele fiz a leitura do jeito que ele pediu. Choramos muito eu e meu marido.

Seu texto é realmente muito emocionante. Somos-lhe eternamente gratos.

Grande abraço

Antônia Faleiros” (Lauro de Freitas –BA)