Nos últimos dias uma discussão tem mobilizado os amantes da Biblioteca Pública Municipal de Patrocínio, especialmente leitores, pesquisadores, pessoal das letras e das artes: mudança da instituição da sede para o CEU das Artes, prédio da União Operária. A preocupação é não só com as condições de uso da estrutura, mas do armazenamento do acervo.

A Rede Hoje está desde segunda-feira tentando, sem sucesso, ouvir alguém do Governo Municipal. A secretária municipal de Cultura, Eliane Nunes, garantiu ao presidente do Compir (Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial), Marlúcio Anselmo Alves, que a mudança é temporária. Ele me disse que “aquele espaço ficará realmente para comunidade negra de Patrocínio; que ele vai ser utilizado como um período temporário pela Secretaria de Educação que tem necessidade de ampliar o seu espaço por causa da municipalização e algumas escolas”, informou o presidente do Compir.

Mas Élida Amparo, do mesmo Compir (Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial) e Coletivo Okayofu, quer dialogar. “Desde o início do governo Deiró a comunidade negra Patrocinense, através do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, vem tentando conquistar o reconhecimento do salão da União Operária, sendo um espaço histórico do povo Negro Patrocinense. A ideia é que esse espaço se torne um Museu de Cultura Negra. Agora essa transferência da Biblioteca Municipal para o salão nos causa perplexidade. Será uma mudança definitiva? É simplesmente apagar a memória dos antigos carnavais e bailes ali promovidos? Queremos dialogar”, diz.

SAB

Ângela Arvelos, membro da SAB (Sociedade Amigos da Biblioteca) diz que é leitora da biblioteca há quase 60 anos. “Recebi com imensa tristeza, a notícia de sua mudança para o bairro Marciano Brandão. Sem entrar na questão do prédio da União Operária, deixo isto para as pessoas qualificadas para falar sobre o assunto, no meu ponto vista é um retrocesso! Tirar a biblioteca de um lugar central para um bairro, irá dificultar muito para as pessoas que fazem uso dela. Ficarão duas bibliotecas quase juntas, pois o CEU das artes já tem uma. Sou a favor de mudanças, desde que sejam para melhorar. Se mudança se faz necessária, que encontrem um lugar mais amplo e mais centralizado. Faço parte da SAB e esperamos que olhem para essa mudança com mais carinho”, explicou Ângela Arvelos.



Moradores do Bairro


CÉU das Artes: à esquerda a biblioteca do Céu, ao fundo o teatro, no centro a quadra e ao fundo à direita (em frente ao estádio), o salão da União Operária onde funcionará a Biblioteca. 

O presidente do Compir acredita que o Governo Municipal vai resolver esse problema. Marlúcio Anselmo Alves diz que a preocupação existe. “Realizamos as nossas reuniões no CÉU das Artes. Na última reunião do Compir fomos procurados por alguns munícipes moradores próximos à União Operária muito preocupados com a questão. Lá sempre foi sede do clube, salão do União Operária, obviamente em função da decisão tomada pelo Município de usar aquele espaço com a biblioteca, isso vai mudar”, explica.

Marlúcio Asemo acredita na resolução do problema. “Aquele espaço — sede da União Operária — é um espaço de representação de poder, de ocupação do próprio bairro até a identidade negra é muito grande”, diz e deposita sua crença no Governo Municipal: “Acreditamos muito que o prefeito reconhece aquele espaço como espaço de significante para a população negra de Patrocínio. Esperamos mais breve possível que o espaço da biblioteca seja resolvido, nós precisamos de uma Biblioteca Municipal de fácil acesso e segundo Eliana — secretária de Cultura — já tem esse projeto em mãos. Nós esperamos que o projeto possa ser apresentado a comunidade Patrocínio e que possa ser executado, mais breve possível. Tenho certeza que será resolvido da melhor forma possível. Nós acreditamos muito no nosso prefeito que reconhece um espaço negro, de ocupação da população negra de Patrocínio”, concluiu.

O escritor

O escritor patrocinense, residente em Belo Horizonte, Fabiano Salim, vencedor do prêmio “Ler é legal” (que tem o objetivo de homenagear escritores nascidos ou residentes no Distrito Federal e no entorno), e tem uma vasta obra, especialmente na área de contos, mostra sua preocupação com o problema: 
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Vejo a proposta de mudança do local da Biblioteca da pior forma possível. Não são muitas as cidades do porte de Patrocínio que conta com uma biblioteca de mais de 80 anos e com rico acervo. Contamos também com funcionários interessados e carinhosos no cuidado para com o patrimônio municipal.
Embora morando fora, vou a Patrocínio uma vez por mês e uma visita à biblioteca é sagrada, na maioria das vezes para levar doações de livros. Penso que na condição da nossa cidade, quanto mais central, melhor para a biblioteca. Transferir para um lugar mais distante, é dificultar o acesso. Dizer que vai beneficiar certos bairros, pode até ser, mas racional mesmo, para beneficiar bairros no geral, e não apenas alguns, é criar um programa de levar livros a todos os cantos, incentivar, divulgar. Da forma que estão propondo, no que se refere à cultura, mais especificamente no que toca à literatura, Patrocínio está involuindo. É muito triste a nitidez do descaso nesta questão de mudança de endereço de nossa biblioteca que, caso ocorra, tal proposta está no caminho inverso de quem preza pelo crescimento cultural e educacional.

Pois bem, passa pela cabeça da gente, o que já vi acontecer em outros lugares, que foi reinstalar biblioteca em um local que dificulte ao usuário, diminuindo acesso e, com isso, em futuro próximo, a falta de procura justificar o fechamento definitivo. 
Lamentável que possa ocorrer com nossa cidade. Você sabe, gosto de escrever, tenho alguns livros publicados e, como escritor, se posso assim dizer, fico entristecido. Profundanente!”, diz o escritor Fabiano Salim.


Caso União Operária

O assunto não morre na mudança da Biblioteca Pública para a sede da União Operária. A própria União Operária precisa ser revitalizada. Ex-frequentadora do clube, Ivani Nascimento conta que lembra ainda da sede antiga do clube — na Presidente Vargas, por coincidência funcionava de frente a antiga Biblioteca Municipal —, que foi assumida pela Prefeitura. “Eu tinha mais ou menos 13, 14 anos e a sede da União Operária era onde funcionou o Tiro de Guerra (depois sediou a Saiasi, indústria calçadista), ali perto da Praça da Matriz. Eu sei que eles (Prefeitura) fizeram um negócio para ficar com o salão e construir a sede da União Operária aqui no Marciano Brandão (bairro) onde ela está hoje. Foi uma troca. Foi na época do Afrânio Amaral (prefeito). A gente queria que fosse de frente o portão do estádio (Júlio Aguiar), aí ele falou que lá não podia, que era estacionamento. Então propôs construir em frente onde hoje é o portão lateral e a gente concordou”, explica.