Da redação da Rede Hoje

O atual diretor-presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, teria insistentemente pressionado João Polati Filho, ex-diretor-adjunto de Suprimentos, Logística e Serviços Corporativos da empresa, a “encontrar uma forma” de manter a empresa AeC no call center da companhia energética do Estado, mesmo após ela ter perdido a licitação para o serviço. VEJA O VÍDEO COM A REPORTAGEM.

A revelação foi feita nesta quinta-feira (23/9/21) pelo ex-diretor, em depoimento como testemunha à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que investiga possíveis irregularidades na gestão e uso político da Cemig. A AeC foi fundada pelo então secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico do governador Romeu Zema, Cássio Azevedo, já falecido.

O ex-executivo, que trabalhou na Cemig entre 14 de junho de 2019 e 4 de agosto 2020, ainda confirmou, ao longo de quase cinco horas de depoimento comandado pelo presidente da CPI da Cemig, deputado Cássio Soares (PSD), outras supostas irregularidades advindas do aparelhamento político da empresa, como uma tentativa do Executivo estadual de usar em benefício próprio a verba de publicidade da empresa.

João Polati também confirmou a existência de uma sala, no 18º andar do edifício-sede da companhia, ao lado daquela utilizada pelo diretor-presidente, reservada para o uso do mesmo secretário de Estado. “Todo mundo sabia disso. A sala ficou lá, intocável, ao lado da sala do presidente. Quando alguém fala aqui na CPI que não sabia disso, está mentindo", afirmou.

"A Ivna inclusive teve contato com os arquitetos que trabalhavam com ela e estavam cuidando de tudo”, afirmou João Polati. A pessoa citada por ele é a atual gerente de Compras de Materiais e Serviços, Ivna de Sá Machado de Araújo, que na época era gerente de Gestão de Imóveis.

Anda segundo o depoente, o próprio diretor-adjunto de Gestão de Pessoas, Hudson Almeida, o teria procurado informando que o presidente da Cemig pediu que ele desocupasse a sala para dar lugar ao secretário de Estado. “Eu mesmo saí com ele pelo 18º andar procurando outra sala para ele ficar”, acrescentou. Tanto Ivna quanto Hudson, que já prestaram depoimento à CPI, disseram desconhecer o fato.

Ou seja, o mesmo presidente que pediu uma sala para o dono da AeC pediu que se desse um jeitinho dessa empresa faturar a licitação que não venceu”, resumiu o relator da CPI da Cemig, deputado Sávio Souza Cruz (MDB).

João Polati confirmou ainda ter recebido, e rejeitado, a proposta feita pela empresa de seleção de executivos (headhunter) Exec para a prestação de serviços, também sem licitação. O documento teria sido encaminhado pelo empresário Evandro Veiga Negrão de Lima Júnior, que não tem cargo na Cemig nem no Executivo estadual, mas é secretário de Assuntos Institucionais e Legais do diretório do Partido Novo em Minas Gerais, o mesmo do governador Romeu Zema.

Tudo isso acontecendo e o silêncio deste governo é ensurdecedor”, criticou o vice-presidente da CPI, deputado Professor Cleiton (PSB).

Irritação – Mas o que mais impressionou os deputados foram os detalhes fornecidos pela testemunha sobre a pressão que sofreu diretamente do diretor-presidente para que mantivesse a AeC no call center da Cemig. Ao ser contrariado pelo subalterno, Reynaldo Passanezi teria dito, irritado: “Parece que eu não mando aqui”.

Essa conversa teria ocorrido na sala do próprio presidente, para onde João Polati fora convocado pelo chefe para discutir o “problema”.

Testemunha confirma proposta em nome de dirigente de partido

Ele me disse para encontrar uma forma de manter a AeC porque a diferença era de R$ 500. Falei pra ele que mesmo que fosse um centavo não teria jeito. A Cemig é uma empresa pública, essa é a regra e eu não tenho autonomia. Então ele falou para não decidir nada sem falar antes com ele. Mas, para mim, já estava decidido”, relatou.

João Polati contou aos deputados que, na véspera de assinatura de contrato com a Audac, empresa vencedora da licitação da Cemig para o call center, agendada para 3 de março, enviou um e-mail para o presidente confirmando que a Audac tinha preenchido todos os requisitos e o vínculo seria formalizado.

Ele estava em Brasília nesse dia e fez três ligações para mim. Na primeira disse que entendia a situação. Depois ligou de novo e disse que eu tinha que encontrar uma solução. Disse para eu ser mais arrojado. Pressão comigo não funciona. Na terceira ligação ele disse que tinha conversado com um amigo e que era para deixar as coisas como estavam”, contou João Polati.

O ex-executivo colocou o telefone celular à disposição da CPI da Cemig para confirmar os contatos, caso necessário. O deputado Roberto Andrade (Avante) também sugeriu ao depoente que disponibilizasse para a CPI seu sigilo bancário e fiscal.

IBM - A Audac, conforme depoimento já prestado por seu representante legal à CPI da Cemig, mesmo tendo assinado contrato com a Cemig, jamais recebeu autorização para o início da prestação do serviço por parte da diretoria da estatal.

Na sequência, a Cemig contratou sem licitação, por dez anos e ao custo de R$ 1,1 bilhão, a multinacional IBM Brasil, para prestar consultoria em transformação digital e implementar um modelo integrado de atendimento aos clientes.

Presidente da Cemig teria tentado interferir em resultado de pregão eletrônico

Sem expertise em atendimento humano, a IBM então subcontratou a AeC, ligada ao então secretário de Desenvolvimento Econômico do Governo Zema, para continuar prestando o serviço.

"Aquela que perde a concorrência fica com o contrato, em detrimento da que ganhou. Hoje a Audac cobra da Cemig R$ 13 milhões", criticou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que também contestou o argumento de que a pandemia obrigou a estatal a repensar todo o seu atendimento e a apostar, de forma emergencial, no bilionário serviço prestado pela IBM.

Depoente confirma ingerência do Partido Novo nos rumos da empresa

João Polati também detalhou aos deputados estaduais outro episódio de ingerência de dirigentes do Partido Novo na Cemig, este envolvendo a contratação da empresa Exec. “O Hudson (o mesmo diretor-adjunto de Gestão de Pessoas) chegou na minha sala com um papel falando que a gente tinha que pagar isso aí”, contou.

A Exec foi responsável pelo processo de seleção que culminou na escolha do atual diretor -presidente da companhia mineira de energia, recebendo, para isso, em um contrato sem licitação, R$ 170 mil.

"Eu fiz contato com o Leandro (ex-gerente de Compras de Materiais e Serviços, Leandro de Castro) e juntos vimos com o jurídico da empresa que isso era impossível. Era uma proposta de uma pessoa que eu nem conhecia, fizemos cópia, devolvemos para o autor e depois pesquisei na internet e vi que era um dirigente do Partido Novo”, contou.

João Polati confirmou que a proposta depois foi refeita no setor jurídico da empresa e resultou na convalidação do contrato da Exec, que foi aprovada em fevereiro de 2020, mais de 30 dias depois de Reynaldo Passanezi ter sido nomeado para o cargo. Ou seja, ele “contratou” a empresa que o selecionou.

O depoente foi questionado pelo deputado Zé Guilherme (PP) por que não se opôs à convalidação do contrato da Exec, mesmo tendo participado da reunião em que o assunto foi tratado.

Prevista na legislação, a convalidação é a regularização de contratações depois dos serviços já terem sido executados, mas que deveria ser utilizada somente em situações emergenciais, o que não tem acontecido na Cemig, em uma escala que já ultrapassou a casa do bilhão de reais.

Restaurante - O ex-executivo ainda revelou ter se oposto a outras supostas irregularidades na Cemig, como o pedido, também do presidente da companhia, de reativação do restaurante da diretoria no edifício-sede, sem licitação, e, ainda, o aluguel de um complexo de salas no Shopping Iguatemi, em São Paulo (SP), operação que teria sido celebrada, também sem licitação, pelo preço mais caro cotado.

O depoente ainda citou contrato celebrado pela Cemig com a empresa fabricante de transformadores ABB para instalação de subestação em Belo Horizonte, ainda nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, na qual foram apurados muitos problemas técnicos desde então.

João Polati contou aos deputados que, durante sua passagem pela Cemig, tentou punir a ABB com multas e impedimento de novas licitações, dentro da previsão legal do contrato. Mas, segundo ele, por insistência de Reynaldo Passanezi, teria sido forçado a tentar negociar um acordo com a empresa de transformadores. “Foi só eu sair pra eles fazeram o acerto com a ABB, claro que com a Cemig sendo prejudicada”, lamentou.

Demissão - O ex-executivo ainda revelou que, ao ter sua demissão anunciada, negou-se a seguir sendo remunerado pela Cemig, indefinidamente, como seria praxe na empresa para aqueles diretores demitidos que teriam uma posição estratégica na empresa.

Por uma questão ética, eu tenho orgulho de ter sido demitido na Cemig. Não foi a primeira vez que fui demitido na vida, isso não me abalou. Não me preparei para vir aqui depor porque estou tranquilo por estar falando a verdade. Nunca abri mão de meus princípios e valores, que vão muito além do que significa um cargo de diretor da Cemig”, resumiu.

Governo teria intenção de usar verba publicitária da Cemig

Outra importante informação prestada à CPI por João Polati Filho diz respeito à verba de publicidade da companhia. Questionado pela deputada Beatriz Cerqueira sobre o possível interesse do Governo de Minas de se utilizar de parte desses recursos em benefício próprio, ele confirmou ter sido informado pelo então executivo de comunicação corporativa, Marco Antônio Lage, sobre essa intenção.

O depoente relatou ter deixado claro, no entanto, que a medida não prosperaria, no que dependesse do setor que comandava. “(O governo) tentou, mas não passou”, ratificou.

Concordando com Beatriz Cerqueira, ele também disse não ver necessidade na contratação de três empresas entre 2019 e 2020, pelo valor total de quase R$ 20 milhões, com o objetivo semelhante de elaborar ou atualizar o planejamento estratégico da estatal.

Por fim, o ex-executivo comentou a contratação pela Cemig, sem licitação, da Kroll, empresa especializada em investigação corporativa e acusada de promover uma verdadeira devassa na vida pessoal de funcionários da companhia energética.

João Polati Filho afirmou nunca ter visto algo semelhante no mercado e ainda criticou o que considera desculpas da Cemig para a contratação dos serviços da Kroll, como o argumento de conduzir suas próprias investigações por possuir ações listadas em bolsas internacionais.