As manifestações são contra o que foi classificado como um retrocesso nos direitos das comunidades tradicionais, que demandam autonomia para decidir sobre o uso de suas terras.

Foto: Willian Dias

Grupos lutam pelo direito de serem consultados a respeito de modificações em seus territórios

Da redação da Rede Hoje

Líderes indígenas, quilombolas e geraizeiros se uniram em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (13), para reivindicar o direito de serem consultados sobre alterações em seus territórios, direito ameaçado pelo Decreto Estadual nº 48.893/2024. O evento foi palco de manifestações contra o que foi classificado como um retrocesso nos direitos das comunidades tradicionais, que demandam autonomia para decidir sobre o uso de suas terras.

A presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Andréia de Jesus (PT), destacou o impacto negativo do decreto, proposto pelo governador Romeu Zema (Novo), que, segundo ela, representa um “verdadeiro avanço colonial” sobre os territórios tradicionais. A deputada Bella Gonçalves (PSOL) também criticou o texto, afirmando que o decreto foi elaborado sem diálogo com as comunidades, deixando nas mãos dos empreendedores a decisão sobre métodos de consulta e restringindo quem deve ser ouvido. “Querem rasgar um tratado internacional”, disse Bella.

Liana Amin Lima da Silva, coordenadora do Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Prévio, ressaltou a importância do direito de consulta prévia, prática reconhecida e recomendada internacionalmente. Segundo ela, o decreto em questão busca desregulamentar esse direito, em uma atitude que remonta aos mecanismos de tutela dos anos 1950.

Vanuza Cardoso, liderança espiritual do território quilombola do Abacatal (Pará), foi enfática sobre o direito à autodeterminação: “É inadmissível que não tenhamos o direito de decidir como queremos nos manter nos nossos territórios”. O procurador da República, Edmundo Antônio Netto Júnior, classificou o decreto como uma contradição lógica em relação aos compromissos internacionais de proteção aos direitos das comunidades tradicionais.

Impacto do Decreto nos Direitos das Comunidades

O professor de Direito Carlos Frederico de Souza Filho lembrou a luta histórica das comunidades tradicionais para serem reconhecidas na Constituição de 1988, destacando que as comunidades têm o direito de serem consultadas sobre qualquer impacto em suas terras. “Esse decreto é doloso contra a vida dos povos”, afirmou.

Já o professor de Antropologia e Arqueologia, Aderval Costa Filho, advertiu que, entre as 1,5 mil comunidades quilombolas de Minas Gerais, apenas nove seriam ouvidas, chamando o decreto de “um decreto de morte” para as comunidades.

Edna Gorutuba, presidenta da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, denunciou o aumento da violência estatal e privada contra essas comunidades, mencionando o atentado sofrido por Antônio Cosme, na Comunidade Quilombola do Baú, em Araçuaí. Ela ressaltou ainda as pressões dos fazendeiros e do Estado sobre os quilombolas.

Makota Cássia Kidoialê, fundadora do Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, destacou a ameaça que a mineração na Serra do Curral representa para as comunidades. Adair de Almeida, do Movimento dos Geraizeiros, relatou agressões de grileiros e jagunços a serviço de latifundiários e mineradoras, que destroem a cultura medicinal, a alimentação e o modo de vida das comunidades.

As Terras Tradicionais e o Papel na Preservação Ambiental


Membros das comunidades ressaltam ainda as pressões dos fazendeiros e do Estado sobre os quilombolas

A defensora pública Ana Cláudia da Storch, participando remotamente, lembrou a relevância das comunidades tradicionais para a preservação ambiental em Minas Gerais e criticou o decreto, alertando para os impactos que poderão ser contestados na Justiça. “O Estado, que deveria proteger seu povo, protege grupos econômicos”, lamentou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), destacando que a crise climática deveria servir como alerta para a mudança de políticas.

A deputada Andréia de Jesus reforçou a importância de se buscar estratégias de resistência, enquanto a assessora da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL), Werymehe Alves Braz, expressou o apoio parlamentar à causa.

Em resposta às críticas, a chefe de gabinete da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Joana Lopes, afirmou que o decreto foi baseado em elementos técnicos e que o governo está aberto ao diálogo, pedindo que as questões sejam enviadas por escrito. A Comissão aprovou um requerimento para convocar a secretária Alê Portella e o secretário adjunto Ricardo Assis Dutra para debater o decreto.

Precisamos unir esforços contra os interesses do capital”, concluiu o deputado Leleco Pimentel (PT). A deputada Leninha (PT) reafirmou a necessidade de perseverar, lembrando que a esperança e a coragem dos ancestrais seguem inspirando a luta das comunidades tradicionais.


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