Elza Lima | Com a Palavra
Não aprecio escrever na primeira pessoa, mas começarei esse texto deixando bem claro a intenção de escrevê-lo.
De repente, percebi que algumas palavras que já algum tempo eram bastante usadas em nosso vocabulário, já não se ouve mais.
Como a língua portuguesa é nosso material de trabalho, vez ou outra lembro-me de alguma palavra que em algum determinado momento ela faz sentido.
O uso de palavras antigas é chamado de arcaísmo linguístico, e a língua está em constante renovação.
As palavras vão sendo substituídas por vocábulos sinônimos mais adequados no mundo atual.
A realidade vai mudando e as palavras vão sumindo.
Para quem não viveu a época de algumas palavras pode parecer um verdadeiro enigma. Tentei escrever um pequeno texto usando palavras em desuso.
Uma tarde no alpendre da Dona Zulmira
Era uma tarde quente, daquelas de derreter até a pachorra do mais sossegado. No alpendre da Dona Zulmira, a patota da rua se reunia como de costume, jogando conversa fora e ouvindo uma radiola que ainda funcionava aos trancos, mas com dignidade. Tocava uma marchinha antiga que fazia até o seu Juca, um velho fidalgo de modos asseados, bater o pé no ritmo.
Lá estavam Toninho, o pândego da turma, sempre com uma história escalafobética na ponta da língua, e Rita, serelepe como só ela, metida a sirigaita, que não perdia a chance de soltar um xaveco em quem passasse. Toninho, claro, já estava gamado, embora fingisse desinteresse com uma careta mal disfarçada.
— Isso tudo é basbaquice! — resmungou o Seu Nicanor, visivelmente grilado com a algazarra, enquanto dava um tabefe em um mosquito que ousou pousar em seu cangote.
Dona Zulmira, sempre asseada e de avental florido, e que gostava muito de um fuxico, saiu com uma bandeja de refresco de groselha e bolachinhas de nata, num gesto de puro obséquio. A galera agradeceu com entusiasmo, menos o Juvenal, que andava meio borocochô desde que a lambisgoia da Jacira, uma dondoca metida a janota, lhe deu um fora de respeito e ele não entendeu bulhufas.
— Aquilo ali é só fuzarca e balela! — comentou Toninho. — Vive de cara fechada, mas não perde uma festa da chacrinha!
Rita riu alto, estalando os dedos com graça:
— Ai, que chuchu beleza esse povo! Mesmo na pindaíba, ninguém perde o bom humor!
— A vida é mesmo barra pesada, mas a gente vai levando — disse Seu Juca, servindo-se de mais um gole do refresco e lembrando de quando dançava agarradinho ouvindo vitrola com sua falecida.
No meio da conversa, apareceu o Zé do Caminhão, trazendo um monte de cacareco na carroceria e um sorriso de quem já tomou umas e outras. Tinha levado uma carraspana na noite anterior e agora tentava gorar o encontro só pra fazer fuzarca.
— Sacripanta! — resmungou Dona Zulmira. — Vai se assear antes de entrar na minha casa, ou te dou um safanão!
Mesmo com o ambiente um pouco estouvado, havia algo de supimpa naquela tarde. Não se falava em celular, ninguém ligava pra likes ou selfies. Era só amizade, proseio e um clima de que tudo, de algum modo, ficaria bem.
E no fim, como dizia o velho Bidu: “Quem vive de passado é museu, mas umas palavras antigas de vez em quando fazem bem ao coração.”
Elza Lima é empresária e escritora; mora em São Matheus, Espírito Santo