Acidente em Aquidauana (MS) matou quatro pessoas, entre elas o cineasta brasileiro Luiz Ferraz e o diretor de fotografia Rubens Crispim Jr.
Avião de pequeno porte caiu no Pantanal sul-mato-grossense, vitimando o arquiteto chinês Kongjian Yu, o piloto Marcelo Pereira de Barros e os cineastas brasileiros Luiz Ferraz e Rubens Crispim Jr. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Da Redação da Rede Hoje
Quatro pessoas morreram na queda de um avião de pequeno porte na cidade de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, no fim da tarde de terça-feira (23). A aeronave Cessna Aircraft 175, prefixo PT-BAN, caiu a cerca de 150 quilômetros de Campo Grande.
Entre as vítimas está o arquiteto chinês Kongjian Yu, 62 anos, reconhecido internacionalmente pelo conceito das “cidades-esponja”, modelo urbanístico que busca adaptar os centros urbanos às mudanças climáticas.
Documentário
Também morreram o piloto Marcelo Pereira de Barros, 59 anos, dono da aeronave, o cineasta Luiz Ferraz, 42 anos, e o diretor de fotografia Rubens Crispim Jr, 51 anos, que estavam gravando o documentário Planeta Esponja com o arquiteto. Todos estavam em viagem pelo Pantanal, onde seriam feitas gravações.
Equipes do 4º Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos foram acionadas logo após a queda. Os investigadores coletaram destroços e informações para identificar as circunstâncias do acidente.
Segundo a Força Aérea Brasileira (FAB), ainda não há prazo definido para conclusão da análise, que será conduzida pelo Cenipa, em Brasília. O órgão ressaltou que o relatório final não busca atribuir culpa, mas evitar novos acidentes semelhantes.
Produção cinematográfica interrompida
O cineasta Luiz Ferraz e o diretor de fotografia Rubens Crispim Jr estavam em viagem para registrar cenas de um documentário sobre o trabalho de Kongjian Yu. O filme teria o título provisório de Planeta Esponja.
Segundo Thomas Miguez, produtor-executivo da Olé Produções, o projeto foi pensado para retratar o legado do arquiteto chinês e seu impacto no urbanismo sustentável. Yu aceitou incluir no roteiro a visita ao Pantanal, um bioma que ele ainda não conhecia.
Ferraz era um dos fundadores da Olé Produções e já havia recebido destaque internacional. Em 2023, foi indicado ao prêmio Emmy Internacional pelo documentário Dossiê Chapecó: O Jogo por Trás da Tragédia.
Rubens Crispim Jr, por sua vez, tinha longa experiência como diretor de fotografia e colaborava em projetos audiovisuais que retratavam questões sociais e ambientais. Ambos tinham carreira consolidada no cinema documental.
Em nota, o Ministério da Cultura lamentou a morte de Ferraz, afirmando que o cineasta se destacou pela dedicação às narrativas documentais e pela busca de novas linguagens. A pasta classificou sua obra como uma contribuição inestimável ao cinema nacional.
Participação no Brasil
Foto: PC-MS/divulgação
A viagem de Kongjian Yu ao Brasil ocorreu a convite da 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, realizada nos dias 18 e 19 de setembro. Ele foi o responsável pela conferência de abertura do evento.
Antes disso, em início de setembro, Yu já havia participado da Conferência Internacional promovida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), em Brasília. Na ocasião, ele compartilhou experiências com milhares de profissionais.
No Brasil, sua atuação chamou a atenção de urbanistas e autoridades preocupadas com as mudanças climáticas. Seu conceito de cidades-esponja foi destacado como alternativa para enfrentar enchentes urbanas e preservar áreas verdes.
Em junho de 2024, Yu também esteve no Rio de Janeiro a convite do BNDES. Ele participou de um seminário sobre reconstrução de cidades atingidas por desastres ambientais, após as enchentes no Rio Grande do Sul.
Na ocasião, afirmou esperar que o Brasil pudesse ser referência mundial em sustentabilidade urbana, destacando a importância de soluções que priorizem a convivência com a natureza.
Legado do arquiteto
Seu conceito de cidades-esponja foi aplicado em mais de mil projetos em cerca de 250 localidades ao redor do mundo
Kongjian Yu nasceu na província de Zhejiang, no leste da China, e viveu em uma região constantemente atingida por inundações. A experiência pessoal o levou a desenvolver propostas que integrassem a natureza à vida urbana.
Seu conceito de cidades-esponja foi aplicado em mais de mil projetos em cerca de 250 localidades ao redor do mundo. A ideia é permitir que áreas urbanas absorvam grandes volumes de água, reduzindo os impactos de enchentes.
Yu defendia que a enchente não deveria ser tratada como inimiga, mas como fenômeno natural que pode ser administrado com planejamento. Suas soluções priorizavam áreas verdes, parques alagáveis e vegetação nativa.
A abordagem contrastava com a chamada “infraestrutura cinza”, baseada no excesso de concreto e impermeabilização do solo, que ele considerava agravante das crises climáticas.
Em vida, recebeu prêmios de destaque na arquitetura e no urbanismo, incluindo o IFLA Sir Geoffrey Jellicoe Award (2020), o Cooper Hewitt National Design Award (2023) e o RAIC International Prize (2025).
Repercussão internacional
A morte de Kongjian Yu foi lamentada por instituições de arquitetura, órgãos públicos e lideranças globais. O CAU ressaltou sua contribuição em escala mundial para o urbanismo sustentável.
Na semana passada, a revista Forbes havia incluído Yu entre os 50 líderes globais em sustentabilidade, ao lado de ativistas, cientistas e da ministra brasileira Marina Silva.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se manifestou por meio de nota oficial. Segundo ele, Yu era uma referência mundial em soluções que unem qualidade de vida e preservação ambiental.
Lula afirmou que o arquiteto oferecia ao mundo um caminho necessário para o futuro em tempos de mudança climática. O presidente manifestou condolências a familiares e amigos das vítimas.
A tragédia mobilizou ainda autoridades chinesas e universidades internacionais, que ressaltaram o papel transformador de Yu para a integração entre natureza e urbanismo.
Investigação em andamento
A FAB informou que o trabalho do Cenipa envolve coleta de peças da aeronave, entrevistas e análise de fatores operacionais. O objetivo é identificar se houve falha mecânica, humana ou fatores ambientais que levaram à queda.
Acidentes aéreos com aeronaves de pequeno porte são comuns no interior do país. No entanto, cada caso é tratado individualmente e pode levar meses até que as conclusões sejam apresentadas.
A investigação não busca determinar responsabilidades criminais ou civis, mas apontar recomendações de segurança para evitar novos episódios semelhantes.
O local do acidente, em área do Pantanal sul-mato-grossense, dificultou o trabalho das equipes, mas os destroços foram localizados e preservados para análise detalhada.
A expectativa é que, após o relatório final, autoridades do setor aéreo reforcem protocolos de segurança em voos regionais de pequeno porte.
Um legado interrompido
A queda do avião em Aquidauana encerrou de forma trágica a trajetória de quatro profissionais de áreas distintas, mas que tinham em comum a preocupação com a cultura, a natureza e a vida em sociedade.
O arquiteto chinês, que transformava cidades com ideias de sustentabilidade, encontrou no Brasil campo fértil para difundir seu trabalho. Sua visita ao Pantanal foi um gesto simbólico de aproximação entre ciência, natureza e cultura.
Já os cineastas brasileiros buscavam traduzir esse legado em linguagem audiovisual, ampliando o alcance de suas ideias para além da academia e da arquitetura.
O piloto, por sua vez, também vítima da tragédia, tinha experiência em voos regionais e conduzia a aeronave em condições que ainda serão esclarecidas pela investigação.
O episódio marca uma perda significativa para o urbanismo, o cinema e para o debate ambiental no Brasil e no mundo.
Fonte: Agência Brasil