Auguste de Saint-Hilaire
Auguste de Saint-Hilaire visitou Patrocínio no século XIX e registrou magnificamente o local, seu povo, a influência da igreja Católica e até infestações. Vindo para o Brasil por influência do Conde de Luxemburgo em 1816 e permanecendo até 1822, Auguste de Saint-Hilaire percorreu os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ele fez uma extensa e preciosa coleta de material, especialmente na área botânica e zoológica, além de reunir dados sobre história natural, geografia, história e etnografia. Assim, seus relatórios de viagem são riquíssimos em informações.
Suas obras contêm dados e observações, sendo uma das mais importantes a flora. No livro "Viagem às Nascentes do Rio São Francisco", Auguste de Saint-Hilaire descreve, no capítulo oito, a viagem de Araxá a Paracatu, onde se destacam o Rio Quebra Anzol, a Fazenda de Francisco José de Matos, a Serra do Salitre, as águas minerais de Salitre, a Fazenda Dâmaso, o Arraial de Patrocínio, os bichos-de-pé, a Serra do Dourado, as fontes minerais de Serra Negra e o povo "mais grosseiro ainda que o de Araxá", constata.
Sobre Patrocínio especificamente, ele diz: "Parei em Patrocínio (Arraial de Patrocínio, Nossa Senhora do Patrocínio). Esse pequeno povoado, mais conhecido pelo nome de Salitre, deve sua origem às águas minerais, que, como já disse, são encontradas em seus arredores. Em minha viagem, não contava com mais de 12 anos de existência. De acordo, porém, com o número de casas indicadas em 1816 por Eschwege (pesquisador alemão que também passou por aqui), o arraial deve ter duplicado de tamanho. Situado no topo de um morro arredondado, cujas encostas são cobertas de capim, tem à sua volta outros morros mais elevados. Em 1819, havia ali cerca de 40 casas muito pequenas, feitas de barro e madeira, cobertas de telhas, dispostas em fileiras em uma praça comprida, no centro da qual foi erguida uma pequena capela, também de barro e madeira. Patrocínio depende da paróquia de Araxá e conta com um padre para os serviços religiosos. As casas do arraial pertencem a fazendeiros que só aparecem aos domingos. Os únicos habitantes permanentes de Patrocínio são alguns artesãos, dois ou três modestos comerciantes, vagabundos e prostitutas.
José Mariano (ajudante de Aguste de Saint-Hilaire) tinha ido ao arraial na frente, cumprindo minhas recomendações, procurando o padre para lhe pedir que arranjasse alojamento. No entanto, a casa do padre era pequena demais para que pudesse nos receber. Uma outra, recém-acabada e que ainda não tinha habitantes, foi indicada a José Mariano pelo comandante, e foi lá que encontrei a minha bagagem. Quando cheguei ao arraial, José Mariano me apressou a evitar a casa que estava infestada de bichos-de-pé. Nos poucos instantes que permaneci dentro dela, fiquei com os pés cobertos por esses insetos. Eu e meus acompanhantes decidimos nos instalar do lado de fora. Enquanto nos dedicávamos às nossas preocupações, vimos-nos rodeados por todos os habitantes do lugar, que achei mais grosseiros ainda que os de Araxá. Pela primeira vez, desde que deixei o Rio de Janeiro, passei a noite ao relento, e isso aconteceu dentro de um arraial, diga-se de passagem.
Como já expliquei, afastei-me da estrada que liga o Rio de Janeiro a Goiás para ir à nascente do Rio São Francisco. Retornei a essa estrada antes de chegar a Patrocínio; no entanto, no trecho de três léguas entre o arraial e a fazenda do Arruda, não encontrei uma só pessoa, não vi uma única propriedade. Em toda parte, o capim estava tão seco quanto o do Sertão do Bonfim e das Contendas nos meses de agosto e setembro. Contudo, vi um grande número de espécimes da voquísia (planta que ocorre na maioria dos biomas, com ampla distribuição no Cerrado), cujos cachos eretos, em grande abundância, tinham às vezes mais de dois pés de comprimento.
Durante a jornada, Laruotte (membro da equipe) apareceu desanimado, mas em vão tentei interrogá-lo para saber a causa. Quando chegamos à fazenda do Arruda, onde passamos a noite, José Mariano examinou os pés e dele extraiu 50 bichos-de-pé; essas infestações são encontradas principalmente em casas desabitadas e que não são limpas regularmente. Em outros tipos já observados anteriormente, há muito tempo encontrei apenas um pequeno número de espécies de asas nuas.
A Fazenda Arruda fica situada ao pé de uma pequena cadeia de montanhas secundárias, pouco elevadas, que começa, segundo me disseram, nas proximidades do Arraial de Patrocínio e tem o nome de Serra do Dourado. Durante um percurso de uma légua, mais ou menos, fui costeando essa cadeia, logo me aproximei dela e, depois de ter atravessado um riacho bastante profundo que se chama Douradinho, comecei a subir. Seu curso é muito vagaroso, uma benção para o ar. Os poucos casos espalhados ao longo de sua margem direita, junto a uma fileira de árvores, estão localizados dos dois lados do rio. E me instalei em um rancho aberto de todos os lados, localizado logo à beira do Rio Paranaíba” explica.