No fim dos anos 1960 eramos uma turma que levava o almoço para alguns dos funcionários do Frigorífico Dourados — que chamávamos charqueada —, uma grande empresa de Patrocínio, do senhor Jorge Elias Abrão.
As 9h da manhã, de segunda a sexta, íamos recolhendo os caldeirões com o almoço (não eram marmitas, mais à frente você vai entender porque). O Kim, o João, o Arnaldo da dona Selvita e eu. Todos garotos do Alto da Estação (hoje, bairro São Judas), por volta de 11 anos cada. Eu estudava no Grupo Escolar João Beraldo.
Aquela era uma forma de conseguirmos um dinheiro para irmos às matinés de domingo no Cine Patrocínio e comprarmos os gibis do Zorro, Tarzan e Fantasma — que depois trocávamos na porta do cinema.
Hoje, é inadmissível ver uma criança de 11 anos trabalhando (e é bom que seja assim), mas na época não tinha esse tipo de problema. E os pais até gostavam, pois era uma forma de conseguirmos algum dinheiro, visto que todos os pais ali eram pobres.
Aliás, o de melhor situação era o meu pai, Júlio Carteiro, que era funcionário federal. Ele trabalhava nos Correios, vindo da ferrovia, Rede Ferroviária Federal, de onde fora transferido depois de um problema de saúde. Meu pai tinha umas 10 vacas paridas (o que nos dava o leite), umas galinhas, criava porcos (para a gordura e a carne), tinha uma horta com fartura no quintal lá de casa e um caminhão Chevrolet 1949, que transportava lenha que ele vendia para a vizinhança e as padarias de cidade.
Então, saíamos por volta das 9h para pegarmos os caldeirões. Cada um pegava no máximo quatro. Eles eram colocados, cada um caldeirão em seu bornal (uma sacola de pano, com alça longa, que carregávamos a tiracolo com provisões).
Iamos pela estrada de terra — hoje a estrada do aeroporto — onde descansávamos embaixo de jatobá que ficava exatamente onde é o acesso ao parque industrial do Córrego Feio. E quando era época de frutificação das plantas silvestres, colhíamos gabiroba, araçá e mamacadela. Tudo no caminho da charqueada.
Quando chegávamos ao frigorífico, entregávamos os caldeirões para os responsáveis pela cozinha. Eles iam esquentar o almoço, colocando os caldeirões em banho maria num grande fogão de lenha, juntando aos outros mais 100, 200 caldeirões, não sei ao certo quantos eram os funcionários daquele setor.
Depois voltávamos, sempre a pé, quando não conseguíamos carona de algum caminhão boiadeiro.
Minha infância foi feliz, apesar das dificuldades. Hoje, olho para trás e vejo como mudou a vida e os hábitos das pessoas. Estão mais ligadas à internet e redes sociais. Só uma coisa não mudou: as pessoas continuam entregando marmitas, os peões ainda trabalham como antes — talvez mais — pelo mesmo salário e as crianças pobres ainda tem muitas dificuldades, talvez até mais que as da minha geração.