O modelo proposto oferece uma solução intermediária, em que a SAF não é imediatamente responsável pelas dívidas anteriores, mas contribui indiretamente para sua quitação.

Foto crédito: Daniel Kirsch por Pixabay

Da redação da Rede Hoje

O Patrocinense pode abrir SAF com novo CNPJ e negociar as dividas do CNPJ antigo como associação? Nesta reportagem, a Rede Hoje busca a análise jurídica baseada num levantamento do juiz do Trabalho da 10a Região, Marcos Ulhoa Dani, membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), que numa tese com o título Análise da sucessão trabalhista, ou não, pelas sociedades anônimas do futebol – SAF's. Hipóteses de responsabilização pelo passivo trabalhista anterior à constituição da SAF”, levanta a hipótese que questionamos.

No artigo, Marcos Ulhoa Dani, faz uma análise detalhada sobre a sucessão trabalhista e a responsabilidade das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), criadas pela Lei 14.193/21, no que se refere às dívidas anteriores dos clubes que as constituíram, é complexa e envolve múltiplos aspectos do direito desportivo e trabalhista.

A seguir, faremos uma abordagem detalhada sobre as principais questões envolvidas:

1. Introdução à Lei 14.193/21 e Criação das SAFs

A Lei 14.193/21 estabelece o regime das SAFs, visando modernizar a gestão dos clubes de futebol por meio de um modelo empresarial. Ela permite que clubes anteriormente organizados como associações civis sem fins lucrativos possam se transformar em sociedades anônimas, introduzindo uma nova governança e possibilidades de financiamento, além de regras para o tratamento de passivos, inclusive os trabalhistas.

2. A Natureza Jurídica da SAF e a Sucessão Trabalhista

A principal questão envolve a responsabilidade das SAFs pelas dívidas trabalhistas anteriores dos clubes originais. Em uma cisão típica, o clube se divide, ficando a SAF com o departamento de futebol e a associação original com outras áreas. A SAF herda direitos e obrigações relacionados ao futebol, mas, segundo o art. 9º da lei, não assume automaticamente as dívidas anteriores da associação.

3. A Responsabilidade pelas Dívidas Trabalhistas

A Lei 14.193/21 prevê que a SAF não responde diretamente pelas obrigações anteriores do clube, exceto pelas atividades relacionadas ao futebol, e ainda assim, sua responsabilidade é limitada. O art. 10 estabelece que a SAF deve destinar parte de suas receitas ao clube original, que permanece responsável pelas dívidas anteriores, incluindo as trabalhistas.

4. Modelo de Pagamento das Dívidas Anteriores

A SAF contribui com 20% de suas receitas correntes mensais e 50% dos dividendos para ajudar o clube original a pagar suas dívidas, conforme plano de pagamento aprovado pelos credores. Essa estrutura demonstra uma intenção clara de evitar a transferência imediata da totalidade do passivo trabalhista para a nova sociedade.

5. Diferença entre Sucessão Trabalhista e Responsabilidade Indireta

Em termos trabalhistas, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) impõe a responsabilidade solidária em casos de sucessão de empregadores, conforme o art. 2º, §2º. Contudo, a Lei das SAFs, como norma especial, limita essa sucessão, estabelecendo que a SAF só será responsável indiretamente, ou seja, mediante transferência de valores ao clube original, que continua respondendo diretamente.

6. Risco de Argumentação de Grupo Econômico

Ainda que a lei preveja a não responsabilidade direta da SAF, existe a possibilidade de credores argumentarem, judicialmente, a existência de grupo econômico entre a SAF e o clube original, com base na coordenação de atividades. Essa argumentação poderia, em tese, tentar incluir a SAF no polo passivo de ações trabalhistas.

7. Teoria da Actio Nata e Prescrição

A responsabilidade subsidiária da SAF pelas dívidas remanescentes só poderá ser acionada após 10 anos de execução centralizada. Nesse caso, a teoria da “actio nata”, que estabelece o início do prazo prescricional a partir do momento em que nasce o direito de ação, faria com que o prazo de prescrição para acionar a SAF só começasse a contar após o término desse período.

8. O Regime Centralizado de Execução

O regime de execução centralizado previsto na Lei 14.193/21 permite ao clube original parcelar suas dívidas em até seis anos, com possível extensão para 10 anos, caso adimplida uma parte significativa do passivo. Esse regime proporciona um fôlego financeiro para que os clubes reorganizem suas dívidas sem comprometer as operações da SAF.

9. Preferência para Credores Trabalhistas

A legislação confere prioridade aos credores trabalhistas no plano de recuperação das dívidas. Esses credores podem negociar deságios ou até ceder seus créditos a terceiros, o que facilita a resolução de pendências antigas, sem sobrecarregar imediatamente a SAF com obrigações.

10. Implicações para Investidores

A responsabilidade limitada da SAF é crucial para atrair investidores. Se houvesse sucessão trabalhista automática, incluindo passivos significativos, dificilmente a SAF seria um modelo viável para atrair capital. A estrutura atual, com responsabilidade indireta, busca equilibrar a proteção dos credores com a atratividade econômica da SAF.

11. Precedente de Prorrogação do Pagamento das Dívidas

Se o clube original cumprir 60% do passivo trabalhista nos primeiros seis anos, pode solicitar uma prorrogação do prazo de pagamento. Isso mostra que o legislador busca viabilizar a continuidade das atividades dos clubes, sem sobrecarregar a SAF com dívidas imediatas, mas também não excluindo totalmente a responsabilidade.

12. Limitação da Penhora sobre Receitas da SAF

Outra proteção importante oferecida à SAF é a impossibilidade de penhora direta de suas receitas para o pagamento de dívidas trabalhistas anteriores. Isso significa que, desde que cumpra sua obrigação de transferir os valores ao clube original, a SAF não pode ser alvo direto de execuções trabalhistas.

13. Segurança Jurídica para o Modelo de SAF

A lei cria um ambiente jurídico relativamente seguro para a criação de SAFs, ao estabelecer claramente as regras sobre responsabilidade pelas dívidas passadas. Esse modelo proporciona previsibilidade tanto para os clubes quanto para os investidores, além de permitir a continuidade das atividades futebolísticas sem a iminência de execuções trabalhistas.

14. A Sucessão Trabalhista e os Direitos dos Trabalhadores

Embora a responsabilidade direta da SAF seja mitigada, os trabalhadores continuam tendo seus direitos resguardados pelo clube original. O sistema de repasse de receitas da SAF para o clube ajuda a garantir que esses créditos sejam satisfeitos ao longo do tempo, ainda que de forma parcelada e controlada.

15. Conclusão

A Lei 14.193/21 busca equilibrar a necessidade de proteção dos credores trabalhistas com a viabilidade econômica das SAFs. O modelo proposto oferece uma solução intermediária, em que a SAF não é imediatamente responsável pelas dívidas anteriores, mas contribui indiretamente para sua quitação. Isso permite que o futebol brasileiro se modernize, sem abandonar os compromissos do passado, mas com um mecanismo que assegura sua sustentabilidade no longo prazo.


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