Mais de 6500 trabalhadores migrantes morreram enquanto se preparava o Mundial de 2022. Foto: divulgação


Da redação da Rede Hoje 

Na semana do início das atividades da Copa do Mundo 2022, que começa no próximo domingo, dia 20, a informação dos 6,5 mil trabalhadores imigrantes que morreram trabalhando no Catar, onde evento será realizado, voltou a circular. O fato, divulgado em forma de um relatório pelo jornal ‘The Guardian’, é de fevereiro de 2021 e, apesar de ser o maior número de mortes já registrados em uma copa, o país rejeitou os pedidos para indenizar os trabalhadores mortos ou feridos envolvidos nas obras do torneio de futebol. A FIFA ainda não se comprometeu oficialmente com a criação de um fundo para indenizar trabalhadores migrantes que sofreram abusos de direitos ou morreram no Catar, apesar do apoio público de pelo menos sete federações nacionais de futebol, quatro patrocinadores da Copa do Mundo, ex-jogadores, líderes políticos e, de acordo com uma pesquisa de opinião, a grande maioria do público em 15 países, disseram a Human Rights Watch, a Anistia Internacional e a FairSquare hoje.

Há cinco meses, em 17 de maio, a Human Rights Watch, a Anistia Internacional e a FairSquare, juntamente com uma coalizão global de grupos de direitos humanos, sindicatos e grupos de torcedores, lançaram a campanha #PayUpFIFA exigindo que a FIFA fornecesse reparação, incluindo compensação financeira, por abusos de direitos como mortes, ferimentos, salários não pagos e custos exorbitantes de recrutamento. Apenas um mês antes do torneio, a FIFA ainda não anunciou se vai indenizar os abusos, mas diz que ainda está considerando a proposta.

“É uma vergonha que, apesar de famosos jogadores de futebol, associações de futebol e patrocinadores apoiarem a campanha #PayUpFIFA, além do amplo apoio popular, a FIFA ainda não se comprometera com os pedidos pela criação de um fundo de reparação para milhares de trabalhadores migrantes que morreram, ficaram feridos ou tiveram seus salários não pagos ao trabalharem para tornar a Copa do Mundo possível”, disse Michael Page, vice-diretor de Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch. “A FIFA falha em suas responsabilidades de direitos humanos e mostra seu descaso pelos trabalhadores migrantes que construíram a infraestrutura do torneio do Catar que alimentará seus lucros”.

Em 13 de outubro, a Associated Press informou que o vice-secretário-geral da FIFA, Alasdair Bell, disse em uma sessão do Conselho Europeu que a compensação é “certamente algo que estamos interessados em avançar”. No entanto, na semana da abertura da Copa do Mundo, nem a FIFA nem o Catar se comprometeram formalmente a criar um fundo para remediar uma série de danos, incluindo a morte de trabalhadores migrantes que possibilitaram a Copa do Mundo.

Quando a FIFA, órgão máximo do futebol, concedeu ao Catar os direitos de sediar a Copa do Mundo em 2010, sabia ou deveria saber que os milhões de trabalhadores migrantes que construiriam uma infraestrutura sem precedentes de US$ 220 bilhões enfrentariam graves riscos de direitos humanos. No entanto, a FIFA não impôs condições de direitos trabalhistas nem realizou uma due diligence efetiva de direitos humanos. A organização agora não se comprometeu publicamente a remediar esses graves abusos restando semanas para o início do torneio.

Desde maio, a Human Rights Watch, a Anistia Internacional e a FairSquare entraram em contato com 32 federações de futebol que se classificaram para a Copa do Mundo de 2022, instando-as a apoiar publicamente o fundo de reparação. Até o momento pelo menos sete federações classificadas apoiaram publicamente o pedido de reparação, incluindo:

  • Real Associação Belga de Futebol (RBFA);
  • Federação Francesa de Futebol (FFF);
  • Associação Inglesa de Futebol (FA);
  • Federação Alemã de Futebol (DFB);
  • Real Associação Neerlandesa de Futebol (KNVB);
  • Associação de Futebol do País de Gales (FAW); e
  • Federação de Futebol dos Estados Unidos (US Soccer).

Além disso, o pedido foi apoiado pela Associação Norueguesa de Futebol. O Grupo de Trabalho sobre Direitos de Trabalhadores no Catar da UEFA (União das Associações Europeias de Futebol), representante de 55 associações nacionais de futebol, vem pressionando a FIFA a se comprometer com um programa de reparação. Em 14 de outubro, o Grupo de Trabalho da UEFA declarou que solicitou à FIFA que respondesse e se comprometesse com as questões pendentes relativas aos trabalhadores migrantes até o final de outubro. O pedido ocorreu após um relatório publicado em junho, depois de uma viagem ao Catar, afirmar que a questão da compensação foi amplamente discutida e o Grupo de Trabalho “concordou com o princípio de que qualquer lesão ou morte em qualquer local de trabalho em qualquer país deve ser indenizada”. 

Das 32 equipes classificadas, a Human Rights Watch, a Anistia Internacional e/ou a FairSquare realizaram reuniões presenciais ou online, com a DFB, a KNVB, a FA inglesa, a RBFA, a DFB, a FFF, a Associação Suíça de Futebol (ASF), a US Soccer, a Seleção Dinamarquesa de Futebol (DBU), bem como com o Grupo de Trabalho da UEFA. Três associações, a Associação de Futebol do Japão, a Associação de Futebol do País de Gales e a Federação de Futebol da Austrália, forneceram respostas por escrito, que não apresentaram informações substanciais e não responderam a recomendação, que eles defendem junto à FIFA pela compensação dos danos causados aos trabalhadores migrantes. No entanto, a Associação de Futebol do País de Gales emitiu posteriormente uma declaração dizendo que, com o Grupo de Trabalho da UEFA, eles “concordaram com o princípio de que qualquer lesão ou morte deve ser compensada”.

Na conferência de direitos humanos da Federação Alemã em 19 de setembro, o presidente Bernd Neuendorf expressou seu “apoio incondicional” ao fundo de reparação. A KNVB, Federação Holandesa, também apoiou o pedido de indenização, afirmando que as vítimas ou familiares deveriam ser indenizados. O técnico holandês Louis Van Gaal apoiou fortemente o pedido de reparação. A Federação Inglesa afirmou que continua a pressionar pelo “princípio da compensação” para as famílias dos trabalhadores migrantes que perderam a vida ou foram feridos nas obras. A Federação Francesa afirmou que trabalhar com uma dezena de outras federações na criação de “um fundo de compensação para todos aqueles que foram vítimas de acidentes de trabalho durante a construção da Copa do Mundo”. Em resposta a questionamentos da imprensa, o técnico da seleção Brasileira também apoiou o fundo de compensação. Entre aqueles que ainda não responderam publicamente, estão as associações de futebol anfitriãs de 2026, México e Canadá.
Uma recente pesquisa de opinião global encomendada pela Anistia Internacional mostra que 67% dos 17.477 entrevistados em 15 países também compartilham a opinião de que suas federações nacionais deveriam se posicionar publicamente sobre questões de direitos humanos associadas à Copa do Mundo do Catar, incluindo o pedido de compensação para trabalhadores migrantes. Quatro patrocinadores, AB InBev/Budweiser, Coca-Cola, Adidas e McDonald's declararam seu apoio ao pedido de reparação. Recentemente, 15 membros do Congresso dos EUA e mais de 120 parlamentares franceses também escreveram à FIFA apoiando o pedido de reparação.

“A mensagem de torcedores, associações de futebol, líderes políticos e patrocinadores é clara – é hora de a FIFA agir e indenizar os trabalhadores migrantes que tornaram possível seu principal torneio”, disse Steve Cockburn, chefe de justiça econômica da Anistia Internacional. “Há uma escolha clara para a FIFA: dedicar uma pequena parte da receita da Copa do Mundo para fazer uma enorme diferença para milhares de trabalhadores ou não fazer nada e aceitar que o torneio será eternamente manchado por abusos de direitos humanos”.

Além disso, é cada vez maior a quantidade de jogadores de futebol, treinadores e comentaristas esportivos que apoiam a campanha #PayUpFIFA, incluindo Tim Sparv, ex-capitão do time de futebol finlandês, e Lise Klaveness, presidente da Federação Norueguesa, que há muito leva à necessidade de abordar os abusos de direitos humanos ligados a esta Copa do Mundo. Durante uma coletiva de imprensa conjunta com a Human Rights Watch, Anistia Internacional e Fairsquare, o ex-capitão da seleção masculina de futebol australiano Craig Foster anunciou que doaria seu salário como locutor da Copa do Mundo para famílias de trabalhadores falecidos, entre outros. Tais iniciativas deveriam encorajar a indústria global do futebol, em particular as federações, a irem além das declarações cautelosamente redigidas. Outros nomes reconhecidos que apoiam a campanha são os ex-jogadores Gary Lineker e Alan Shearer.

Como associações-membro da FIFA, espera-se que as federações sigam a própria Política de Direitos Humanos da FIFA. Além disso, como órgãos que lucram financeiramente com as receitas geradas pela Copa do Mundo por meio de suas relações comerciais com a FIFA, as federações também têm a responsabilidade, de acordo com os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, de usar sua influência para prevenir e mitigar impactos adversos sobre os direitos humanos, inclusive no Catar, que causaram, contribuíram ou estão relacionados.

Desde 2018, as autoridades do Catar adotaram algumas medidas promissoras para proteger os trabalhadores da prática do não pagamento de salários e melhorar o acesso à justiça, ao mesmo tempo em que implementaram reformas ao sistema kafala (patrocínio). No entanto, lacunas significativas permanecem. Os benefícios desses programas foram limitados devido à sua introdução tardia e escopo reduzido, pois não abrangem todos os trabalhadores, especialmente no caso de iniciativas do Comitê Supremo de Entrega e Legado que oferecem melhores proteções a um número limitado de trabalhadores ou abordam abusos nos anos anteriores ao estabelecimento dos sistemas. Fundamentalmente, permanecem lacunas significativas de implementação e aplicação, por exemplo, os trabalhadores que já deixaram o Catar não podem acessar os comitês trabalhistas ou um fundo estabelecido para pagá-los quando seus empregadores não o fazem.

Mesmo as associações que se manifestaram também deveriam ir além de palavras cautelosas e atos simbólicos e usar suas plataformas para promover ações concretas que beneficiem tangivelmente os trabalhadores migrantes e suas famílias.

“A compensação pode ter consequências de longo prazo para as famílias que dependem do fundo para pagar empréstimos, para a educação dos filhos ou para comprar comida. Quando as associações de futebol emprestam suas vozes, estão ajudando a garantir que milhares de famílias que perderam seu único apoio paguem empréstimos pendentes ou contas atrasadas”, disse Nick McGeehan, da FairSquare.


Fonte: Human Rights Watch | The Guardian