ELE MORREU NO MEU LUGAR...


Notei que já era noite quando dei pela falta de um fiozinho de luz que entrava pela grade de minha cela. Naquele instante, senti um calafrio percorrer minha alma.  Estava tão entregue a ruminar minha agitada vida de violência e sedição, que não notei o avançar das horas.

A certeza de que aquela seria minha última noite na face da terra, me deixava com os nervos a flor da pele. Eu, Barrabás, estava perdendo a compostura de valentão naquela prisão gelada...

 Lá de fora vinha um alarido de confusão. Jerusalém nunca fôra uma cidade onde reinasse a tranquilidade, mas aquela histeria toda estava muito fora do habitual. Gente apressada, vozerio exaltada e por quê  esse  choro de mulheres?

 Bem. Mas o que importava? ...Qualquer episódio extra que estivesse ocorrendo lá fora, não mudaria o curso de minha malfadada sorte. Eu sabia –e como sabia- o que me esperava, logo ao romper daquela  manhã. Notei que as horas voam quando deveria parar. Maldito relógio.

 Decidi que naquela minha última noite de um homem, não iria dormir. Aliás, nem se o quisesse, o sono me abandonou, a exemplo dos comparsas de minha gang. Cadê a fidelidade dos caras?

Naquele confinamento fétido, comecei a repassar cenas de minha vida desbragada. Até então não havia encontrado limites para minhas peripécias e aventuras. Duvido que alguém ao longo da Judéia, Samaria e Jerusalém, não tivesse ouvido das proezas do “Bando do Barra”. Quantos crimes bárbaros, saquiações e motins. Nosso plano foi sempre audacioso. Nossos adversários, de peso. Imagine, queríamos passar por cima de cadáveres ilustres! Para se ter uma idéia, pretendíamos liquidar com esse Sumo Sacerdote, metido a besta, por nome, Caifás. Não via a hora de agarrá-lo pelo colarinho; em seguida, esse Governador da Judéia, bagre ensaboado, por nome Pôncio Pilatos; depois, essa besta-fera, chamada , Tetrarca Herodes, Governador da Galiléia, e, por último, arrancaríamos o próprio Imperador Tibério César, de seu trono. 

Nosso plano, no entanto, vazou, melou tudo, deu ruim.  Sabendo de tudo colocaram um Centurião Romano, com cerca de cem homens, dia e noite em minha cola... Mas, até que dei trabalho para estes perdigueiros de Roma. Fugi, enganei-os, pior: matei alguns  e deixei o restante se queimando de ódio.  

 Bom...mas, agora estou aqui, nesta masmorra horrenda, logo romperá a manhã e esse tal Centurião, virá com sêde de vingança e não vê a hora de dilacerar as minhas carnes com aquele chicote de chumbo. Dizem que a flagelação romana é das mais bárbaras e cruéis do mundo. Daqui a pouco saberei disto como ninguém.

 Em pensar que tive chance de levar uma vida diferente e normal, sim, inclusive, quase me casei. Não, não é chacota minha, não!  Eu, Barrabás, quase coloquei uma argola (modo carinhoso de dizer aliança) em minha mão esquerda. Era uma camponesa de Cafarnaum, cuja beleza parecia uma flor de mandrágoras. Toda manhã, ela e suas amigas, buscavam água no poço comunitário com seus cântaros. Aquilo era  um raio de sol numa gota de orvalho. Trocamos olhares. Fiquei enamorado e acho que ela também. Acontece que seu pai descobriu e conhecendo minha má fama, mudaram-se, quis um futuro melhor para filha.

 Outra coisa que não revelei é que meu primeiro nome não é Barrabás. Meu primeiro nome é Jesus. Mudei por causa do meu homônimo ,( xará) Jesus de Nazaré. Nossos propósitos eram como água e vinho. Não justificava a gente ter o mesmo nome. Ele fundou uma sociedade alternativa pacifica, eu, uma corja de malfeitores.

Certa feita nossos grupos se cruzaram, a gente vinha de um assalto, numa algazarra tremenda, quando deparamos com esse Galileu e seus doze seguidores. Fui pra cima deles. Queria dizer-lhes umas poucas e boas na lata. Sem um pingo de medo de meus rompantes, esse tal Jesus, deu-me um sermão, ali, apenas com um olhar sereno. O que eu fiz? Caí no mato! Veio-me a mente a história de Simão Pedro, caboclo d’água  durão, que até queria ele no meu bando, começou um negócio agora de ser pescador de homens.” vai que isso contagia”, pensei, metendo sebo nas canelas.

 Pronto... O fiozinho de luz que vem da grade, voltou, chamando-me á  realidade. A minha hora final  chegou. Ouço passos no corredor...  Toc,toc, toc...  lá vem meus algozes, pensei. A chave gira, a porta se abre. Estou sentado, no canto do cárcere, pulso ferido, olhos vermelhos, não estava para nenhuma visita.

De repente a voz do carcereiro, ecoa – “Hei, Barrabás ! Já sabe da boa nova?”Pensei, pronto! Começou a tortura. Por que não acabam logo com minha raça? Soltando minhas algemas ele disse em tom triunfante: “Então, você não sabe, seu felizardo, acompanhe-me.”

 Acompanhei-o sem compreender absolutamente nada, nada. Deixamos a prisão, cruzamos a rua e alcançamos a muralha de Jerusalém. Quando meu guia parou...pôs a mão em meu ombro...apontou para a colina do Gólgota e perguntou-me : “Está vendo aquelas três cruzes? Aquela do meio era a sua, AQUELE HOMEM MORREU EM SEU LUGAR.”

  -“Ele...morreu no meu lugar!?”...

 Registra a história extra bíblica que Barrabás jamais foi o mesmo homem...e ninguém mais seria ao tomar ciência desta nova...

 Esta crônica quisera ser um fiozinho de luz nesta Semana Santa: Aquela cruz do meio, amado, leitor, era, por mérito,  minha e sua, você, sabe, conhece o velho catecismo...mas talvez não tenha parado para pensar. Onde estaríamos, se não fosse a Obra  do Calvário? E eis  aqui  o coração do Evangelho:  "Ele tomou o nosso lugar , levando sobre  Si todas as nossas dores,  todas a nossas enfermidades , toda maldição que estava sobre nós ele levou sobre Si e o castigo  que nos traz a paz estava sobre ele e  pelas suas pisaduras fomos sarados ". Por isso temos uma divida, que jamais poderemos pagar. Deveríamos  estremecer, ainda,   ao ler: “DEUS  estava em Cristo reconciliando consigo o mundo”

Enquanto, o ser humano vai dando errado, a política espalha  fogo,  as “pessoas monstros” se proliferam, a  violência urbana se espalha, a  injustiça social e a depredação do meio ambiente, grassa em nossa sociedade,  esta  Velha Boa Nova do  Evangelho, vai sendo esquecida, deformada, deturpada. Além de erros crassos debaixo do tapete do Catolicismo, haja, Felicianismos, Edir Macedismos, Malafaismos, RSoarismos e o pesado marketing Go$pel.  ...CRISTO MORREU EM MEU LUGAR... Tragam de volta este  Evangelho que  é simplesmente sal que fertiliza a terra, e a  luz que ilumina o mundo. ”

 


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