(Foto disponível Internet)
O sol agonizava no horizonte, os passarinhos já piavam espichaado na copa das árvores...
Já com a enxada nos ombros, o lavrador ergue o chapéu, como sendo um ato de prece. Limpa o suor da testa. Ispia tudo. O eito do dia rendeu. Neste instante, ele não chegou a ouvir, mas teve uma salva de palmas pra ele no céu. Não somente pelo dia, mas pelo conjunto da vida.
O cachorro já conhece o ritual, sai na frente balangando o rabo. Amigo fiel ali está. Ninguém se aproxima do seu tutor, nem de seu embornal, nem da cabaça d’água, sem o seu rosnante protesto.
Em um ombro, leva um embornal com a marmita e merenda, (comida dele e Totó) um espaço para gabiroba, araçá, jatobá, piqui e outras delícias que margeiam o caminho da roça.
Enxada no rancho de capim. No outro ombro, um saco de linho com uma melancia, um pé de mandioca, quatro gomos de cana-caiana, pois misturas tem muita na horta de couve perto de casa. Ele vive pra fazer sua família viver bem. Só pra isto.
É hora de voltar para casa. Saiu de manhã e a saudade já amarga que nem chá de quina.
Pelo caminho, Totó era uma farra. Ia retirando das moitas, perdizes, seriemas, piriás e lobos. Teve um dia que, fui esperto e livrei ele do abraço de um tamanduá-bamdeira. Medo não é com ele.
Morava ditrabanda do corgo, ( gente da cidade fala “do outro lado” córrego” eles não sabem nem a hora que tão com fome)
Mal apontou no espigão, três pequenuchos, gritaram juntos: “ O papaiiii!”
Todos de banho tomado, cabelo penteado, estarracaram em sua perna que quase não conseguia fechar o colchete. Alarido de fala ao mesmo tempo. Não sabiam que o cheiro do pai lavrador, perfumaria a memória deles pra sempre.
Na porta da casa humilde, a mãe e esposa, só pode dar um sorriso discreto e um "selinho" mais discreto ainda, pois a caçula, exigia toda a atenção. “Paiê, paiê, o pelongo me modeu aqui, o”. Paiê, paiê, a mamãe bateu ni mim, bateu, sim”. Paiê, paiê, meu dentinho bambeou”
Só mais tarde a espuletinha é deixada no berço, com um beijinho na testa como benção é um jeito de dizer, “ eu te amo”
Assenta no banco, tira as botinas, os meninos sabem que, agora é a vez deles. Um guarda as botinas, o outro guarda o chapéu.
O pai pede que um se assenta de um lado, o outro, do outro.
E gosta do que vai ouvindo. Enquanto a mãe cardava e fiava algodão, de olho na pequena “ fazedeira de arte”. Um, cascou alho pra ela, catou marinheiro, moeu café, tirou as roupas do varal, aguou a horta de couve e decorou o ABC. O outro, mais homenzinho, apartou os bezerros, tratou dos porcos, debulhou milho para as galinhas, colheu um cacho de bananas, limpou o rego d"água até o açude, matou até uma cobra que cruzava o terreiro e tirou nota dez na prova da escolinha.
O pai da três tampinhas na cabeça de um e três tampinhas na cabeça do outro. Eles sabem muito bem o que isso quer dizer. É o jeito dele dizer ” como eu amo voces”
O marulhar da bica d’água é uma canção de ninar no sertão. Logo os dois, já estão no quarto ferrados no sono...
Agora é ele e ela. Marido e mulher. Acaba de tomar banho de bacia, enquanto ele janta o segundo prato- e que janta! ela pergunta como foi o dia lá na roça. Cansativo ela, bem sabe. “ Este ano tenho fé em Deus, que vamos ter arroz, feijão, milho e café, muito mais do que pra o gasto. Vai dar pra fazer uns cobres”. Ambos riem por dentro.
Ela atualiza-o, sobre as notícias da cidade que ouviu pelo rádio. Muita violência, roubos, acidentes e as cachorradas dos políticos. E uma triste novidade: os vizinhos vão mudar pra cidade para estudar os meninos.
Pensativo ele se assenta no rabo do fogão. O frio de Julho fica lá fora. Ah, apague a parte que eu disse, que ele e ela estão sozinhos. O gato aninhado no rabo do fogão com os olhos semicerrados, acompanha tudo. E o cachorro levanta de onde está e fica bem juntinho do casal. É o jeito deles também dizerem o “ a gente ama vocês”.
Ela bule os tições de lenha e deita a cabeça devagarinho no ombro dele. Embora tenha as mãos calejadas, ele acaricia suavemente os cabelos dela. Diria que a cena é de uma ternura do outro mundo. Um trovão ribombeia ao longe... As crianças ressonam. Aqui o gato, ali o cachorro. Ele e ela olham pro fogo; olham pra lenha, olham para chamas, foi inevitável: Pensaram no tempo na vida e nas cinzas que vão ficando de tudo…
Nisto apertam forte a mão um do outro querendo que instante fosse eterno. Ela sabe o que ele disse e ele sabe tudo o que foi dito por ela ali. O “ eu me casaria com voce mil vezes, não sai”. Não é preciso.
No sertão não se diz “ Eu te amo” com palavras( isto é “fogo de palha” de gente da cidade) No sertão amor é gesto, atitude, às vezes, silêncio...