Foto: Acervo municipal | Casa da Cultura | Acervo Mineiro 

Histórias. Ou estórias, Patrocínio sempre teve quem as conta ou contasse. Cada uma mais interessante do que a outra. O responsável pelo primeiro cruzeiro (cruz) na Serra, quem foi Vicentão, qual a mania de Joaquim Dias, o que fazia Cesarinho, a arte de Chico Pachêco, as escolas patrocinenses em 1929, e, nomes de alguns pobres que a Sociedade São Vicente de Paulo–SSVP cuidava. Isso e mais fatos narrados por Sebastião de Oliveira, em um de seus livros, tornaram-se crônicas de outrora. Vale a pena viajar pelo tempo com ajuda delas (crônicas).

INCÊNDIO QUEIMA A SERRA DO CRUZEIRO – Em 1928, a cidade era às escuras. Havia fraca energia de pequena usina nas proximidades de Patrocínio. Assim, o fogo se alastrando na Serra do Cruzeiro, sem controle, foi visto por todos os moradores, naquela noite. A primeira cruz da Serra que lá estava, não passou de cinzas no outro dia, vista por parte da população. No ano seguinte (1929), a Associação de Moços Católicos, dirigida pelo prof. Alceu Amorim (também diretor do jornal patrocinense “O TEMPO”), promoveu a construção de novo cruzeiro, que foi o segundo. E o monsenhor Joaquim Tiago celebrou a primeira missa, aos pés da nova cruz na serra.

QUE CRUZ É ESSA? – Tião Oliveira escreveu, em 1980, que é o atual cruzeiro. Como não deve ter havido anormalidade nesses últimos 40 anos pode-se dizer que o que lá está tem quase 100 anos. Todavia, o primeiro cruzeiro (queimado em 1928) foi colocado pelo guarda-livros (nome antigo de contador), conhecido como sr. Leão. Isso no começo dos anos 20.

SÃO VICENTE: A ORIGEM – Em 1930, já existia a batalhadora Sociedade São Vicente de Paulo–SSVP. Daí, surgiram a Vila São Vicente (casinhas similares) onde hoje é a Rua Artur Botelho (ex-rua São Vicente), e, Cassimiro Santos (ex-rua São Miguel), quarteirão do então Asilo de São Vicente. Tião Oliveira, em 1980, escreveu os nomes de “velhos pobres” e o seu comportamento. Residiam nas casinhas e no Asilo. Como se observa o nome “São Vicente” estava em quase tudo. Tanto é que essa histórica região é chamada de Bairro São Vicente, na atualidade.

ARTISTAS” DA VIDA – Alguns moradores citados pelo cronista. Tereza Prata, com 110 anos, cuidando “do preto velho”. A benzedeira Daminha França. Siá Maria Leitoa e o seu Chico Leitão, com enorme paletó (mais tarde, focalizado por outro livro, de Paulo Acássio). Manoel Cego, que consertava relógios. Maria das Pitas e o seu guarda-chuva constante. Jerônimo Amâncio, bravo como ninguém. Esses e outros personagens, Sebastião Oliveira conviveu. Segundo ele, “tinham o direito de viver, e, viveram muitos anos”!

DOMÍNIO HOLANDÊS – Dia 07 de setembro de 1929, o Ginásio Dom Lustosa, a Escola Normal e a Escola de Instrução Militar 285 (Tião era aluno), desfilaram pelas ruas “esburacadas e poeirentas” de Patrocínio. Não havia asfalto e a região da Praça Santa Luzia ainda era formada por algumas chácaras. A Escola Militar era o Tiro de Guerra e funcionava no Ginásio Dom Lustosa, que era dirigido por um de seus fundadores em 1926/1927, Padre Mathias van Rooij. Faleceu em 1934, em Belo Horizonte, vítima de doença incurável. Na versão de Oliveira, retornou à Holanda, onde fora tratar de sua saúde. E lá faleceu.

DESPEDIDA DE VERDADEIROS LÍDERES – Em 15 de março de 1976, faleceu o ex-prefeito João Alves do Nascimento, aos 76 anos (prefeito por duas vezes). Um líder do antigo PSD. “Chefe político, prestativo, bem relacionado, pessoa com quem todos contavam”, nas palavras de Sebastião Oliveira. No dia 17 de junho de 1980, foi a vez de Chico Pacheco (Francisco Nunes de Oliveira). Um mestre, um líder do trabalho, marceneiro desde menino, inteligente, calado e mãos de artista, na visão de Oliveira. Segundo Joaquim Machado, fundador do Jornal de Patrocínio – JP, Pacheco é o criador de histórico presépio. No dia 8 de setembro, também de 1980, faleceu o ex-prefeito Enéas Ferreira de Aguiar, líder maior da UDN. Neto de Honorato Borges e filho do Cel. João Cândido. Governou o Município com eficácia, honestidade, promoveu a vinda da Cemig, inaugurou o Estádio Júlio Aguiar e o então Mercado Municipal. À época, era o principal fazendeiro patrocinense. Oliveira escreveu: “a morte de Enéas abalou a cidade”.

O ANJO E O FEITICEIRO – Um dos maiores comerciantes de PTC, nos anos 30/40, de extrema simplicidade e bondade, Joaquim Dias, agia como um mantenedor dos pobres. Além de alimentação, saía a pé, levando cobertores, de rancho em rancho (casebre), para os moradores carentes, no inverno. Por outro lado, nos anos 40/50, existiu o Cesário da Cândida (Cesarinho), residente em casebre, à beira do Córrego Rangel. Casado com Maria Patrocínio, Cesarinho era versado no dialeto calunga (dos escravos), “capitão de Moçambique”, rezador de terços, ligado a feitiçarias, era um grande pinguço, conforme Oliveira. Por exemplo, na Semana Santa, fazia “via-sacra”, de venda em venda (pequeno comércio) ou de bar em bar, tomando “todas”. Assassinou à sua esposa Maria, também “rainha da bebedeira”.

EFICIENTE TRABALHADOR MOVIDO À PINGA – Nos anos 50 e 60, existiu na cidade “um preto velho”, rachador de lenha, trabalhador demais e honesto”, escreveu Sebastião Oliveira. Sô Vicente ou Vicentão era o seu nome. Residia no bairro Sertãozinho (hoje, Marciano Brandão). A profissão de “rachador de lenha” era muito comum, pois os fogões e fornos eram à lenha. Tanto das residências como das padarias. Nas ruas não asfaltadas o fornecimento da lenha era por carro de boi. A família do Vicentão era toda alcoólatra, inclusive a folclórica filha Rufina. Quando a casa ou padaria contratava o forte Vicentão, o seu dia era assim: às 7h da manhã, mexidão e cachaça ao invés de café e leite. Às 11h, almoço e cachaça. Às 14h, café e pão. Às 16h, além do pagamento diário do trabalho em cruzeiros, havia a “janta” com cachaça. À noite, às vezes, dormia no quintal junto aos cachorros, após brigas e “bebedeira”. Oliveira: “faleceu no Asilo São Vicente, no dia 03 de maio de 1980, o sr. Vicente Gaspar do Reis (Vicentão), aos 75 anos de idade. Morreu dormindo...”

QUEM É – Sebastião de Oliveira ou Tião Pacheco, marceneiro, nunca frequentou escolas. Todavia, tinha rara inteligência e memória invejável. Escreveu crônicas para o Jornal de Patrocínio, sob o título “Contando Estórias”, no começo dos anos 80. Título também de seus dois livros. Participou da SSVP, Lar da Criança e Conferência São Pedro. É dele a célebre frase: “os intelectuais escrevem bonito, os analfabetos contam estórias”. Falecido já há algum tempo, nasceu em 1910. Hoje, o decano do jornalismo patrocinense, o seu amigo Joaquim Machado (JP), autorizado pela família, utiliza o seu termo “Contando Estórias”.

FONTE – Livro “Contando Estórias” (2), de Sebastião Oliveira, e acervo particular deste cronista.


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