Foto: olcay ertem | Pixabay
Ivan Batista da Silva*
Em 1969, as Universidades começaram a viver uma situação bem diferente dos anos anteriores. Com o decreto do AI-5,um instrumento de muita intimidação e endurecimento do regime militar, havia muitas prisões e já se ouvia falar das torturas nas prisões. Não houve mais as passeatas e manifestações que caracterizaram o ano anterior.
De vez em quando, na Fafich, sabia-se de reuniões despistadamente de cunho político, de oposição ao regime militar. Nunca acedi a estes convites que não foram poucos Houve, pelos órgãos policiais, uma severa vigilância dentro das Universidades. Na Fafich, não foi diferente. Claro que isto não afetava os estudantes como um todo. A Universidade soube conviver com o cerceamento que se lhe impunham e para a maioria dos estudantes não afetava seus estudos. Lógico que exigia, da cada estudante, algumas precauções. Falava-se sobre política e governo à boca pequena; rodinhas se desfaziam quando aproximava alguém, pois todos estavam cientes de que havia, em várias turmas, os chamados dedos-duros prontos para entregar à policia os colegas.
Havia muitas festas nas repúblicas. Não eram festas como se vê hoje. Era reunião de parcos amigos, sem bebidas, sem lanches quando muito pouca caipirinha, cuba livre nada mais. E muita música, principalmente de protesto. Mas a festa aguardada mesmo era na casa do professor Moacir Laterza, uma, duas vezes por ano. Alunos, não só da filosofia, como também de outros cursos da Fafich, circulavam pelas salas, biblioteca, jardins e área da piscina sob o olhar complacente e feliz do professor Moacir e sua esposa. Nada de bebida, nem comida, nem de dança. Muito respeito e a animação era total. Confabulações, troca de ideias, casos variados animavam a noite.
Outro acontecimento memorável foi um casamento hippie, no final do ano, feito, à noite, no parque municipal. Padrinhos engravatados no coreto, a noite vestida a moda hippie chegou montada em um cavalo pangaré que encontraram pelo caminho. O corneteiro, bêbedo, que devia tocar a marcha nupcial chegou tocando “Se a canoa não virar”. Muitas pessoas assistiam ao casamento, feito por um monge budista que na realidade era um aluno da nossa sala. O casamento era uma farsa, apenas para arrecadar dinheiro para uma turma que viajaria para a Bahia. Mas virou manchete em Belo-Horizonte.
Aproveitei meus anos de estudo para muita leitura de diversos pensadores e isto fez toda a diferença em minha vida.. Os estudos universitários coincidem com um belo momento na vida do estudante em que se está tornando adulto e ampliando seus horizontes. A Universidade deve proporcionar ao estudante além do conhecimento, ampliar sua visão de mundo, conhecer a evolução do pensamento humano, criar suas convicções. Tornar-se um adulto com convicções próprias ao atingir a maturidade. Deve sair da Universidade com um pensamento mais amplo, com outra visão de mundo, totalmente diferente da época de seu ingresso..
Aproveitei meus estudos para estabelecer meus valores morais, éticos.. O mais importante é que aprendi na Filosofia a conviver com pessoas de diversas tendências ´políticas, religiosas, filosóficas.. Sobretudo, aprendi a respeitar pensamentos e tendências diferentes das pessoas Naquela época, o existencialismo francês de Sartre e Simone Beauvoir, sua companheira de vida, dominava as discussões na Filosofia. Era o opostos das minhas convicções católicas. Vi colegas meus se tornarem ateus, seu quem isto afetasse nossa amizade. Aprendi a conviver com ideias diversas sem atacar ou incriminar pessoas pelo que pensam.
Neste mundo de hoje, polarizado, com tanta intolerância, sem aceitação e respeito à diversidade, isto faz toda a diferença. Não se incriminam as pessoas pelo que pensam, pela suas convicções. Pelos seus atos, talvez. Não se trata de ser tolerante. Trata-se viver sua convicções e reconhecer que as pessoas tem o direito de ter e viver outras ideias. Não importa se são comunistas, direitistas, chauvinistas. A paixão pelas ideias não pode se sobrepor à razão, ou criar um negacionismo sobre as pessoas.
Não conclui meu curso de Filosofia. Depois de três anos, migrei para outro curso. Este novo curso me trouxe o conhecimento. A Fafich me deu, através da Filosofia , uma visão de vida , o conhecimento sobre a evolução do pensamento ocidental e a compreensão do ser humano. Isto fez toda a diferença em minha vida.
Ivan Batista da Silva* é diretor executivo do Colégio Atenas em Patrocínio, MG e colunista na Rede Hoje