Para Plínio Marcos, naquele 1985, a imprensa brasileira já deixava muito a desejar. Se ele fosse vivo hoje diria que nada mudou na mída
Foto: Prefeitura de Santos|Divulgação
Uma das coisas que a profissão me permitiu foi conversar com pessoas e ter experiência que de outra forma eu não teria. Sou grato a Deus por isso. O personagem da crônica de hoje é uma dessas pessoas que valeu a pena conhecer. Essa "Som da Memória", na minha concepção, é uma das melhores, pois seu personagem é um personagem da cultura mundial, embora o reconhecimento pelo seu talento e capacidade esteja longe de chegar ao que foi o escritor, dramaturgo, ator e jornalista Plínio Marcos.
Era maio de 1985 a reabertura do Teatro Rosário na Praça Honorato Borges, onde antes funcionava o então decadente Cine “Teatro” Rosário, deveria ser uma festa. Mas, como nos dias atuais, a cultura estava num plano inferior, com o Brasil ainda saindo da escuridão, sem saber que rumo tomaria. Aquele teatro deveria ser uma grande opção de cultura e lazer para a população e espaço para artistas mostrarem o seu trabalho. Mas que durou pouco.
A programação reabertura foi com o grupo sul-americano Tarancón, inclusive com músicos Mineiros na composição. À inauguração compareceram caravanas de Coromandel, Patos de Minas, Monte Carmelo e grande público patrocinense. Na semana seguinte, um sábado, dia 18 de maio, a “Talento”, empresa dos jovens Flávio José de Almeida e José Isaac, trouxe a Patrocínio, o dramaturgo, escritor e jornalista Plínio Marcos. Este vinha com a peça “O palhaço repete o seu discurso”. Foi um sucesso estrondoso, visto que mais de 400 pessoas viram, riram e aplaudiram.
O talento e a capacidade de Plínio Marcos eram indiscutíveis. Eu, um jovem repórter do interior, também achei que tão indiscutível quanto seu talento “era a sua prepotência e falta de educação”. Mas, Plínio Marcos tinha toda a razão em tratar mal à imprensa e você vai saber porque.
No restaurante Brumado dos Pavões, que funcionava no mesmo prédio do Cine Teatro Rosário, procurei Plínio Marcos. Depois do espetáculo ele estava lá sentado, sozinho, camisa xadrez, bolsa a tiracolo grande, amarela e velha. Me apresentei como repórter da revista Presença. Queria falar da vida e arte dele. Mau educado e desatencioso, ele atendeu me atendeu. Conversamos um pouco, até que o gelo quebrou.
Então ele me contou uma história fantástica:
– Eu era cronista esportivo. Escrevia para revista Veja. Escrevi uma crônica sobre o time do Santos e a genialidade de Pelé. Acabei preso pela Polícia Federal.
– Ué, por uma crônica esportiva? - perguntei.
– É que a crônica colocava Pelé como responsável pela ascensão do time e fazia uma comparação a situação do país, que não tinha alguém que conseguisse fazer pelo país o que o jogador havia feito pelo Santos. - contou
– Mas, não tem nada demais. – ponderei
– Também acho, só porque eu disse o ironizando “a não ser que Pelé seja o presidente”.
Plínio Marcos destacava ainda na sua crônica que “não é com medalha que se faz a grandeza de um país”.
– E o que aconteceu? - perguntei
– Era período de repressão. A partir desse instante a perseguição aumentou e eu fui despedido da revista Veja por pressão. Mino Carta era o meu chefe na época. Quando ficou sabendo, também pediu demissão. Depois ele fundou o jornal “República” e me levou. Acabou me despedindo. - contou
Mas, para Plínio Marcos “a censura agora(1985) é muito pior. A imprensa toda me boicota”. Aí, entrou a minha opinião de repórter inexperiente, que não tinha a mais vaga noção de como a grande mídia agia – hoje é pior –, e o que pensava era baseado no que eu lia, principalmente na Folha, no Estadão e no Estado de Minas. Coloquei no texto da revista Presença, que esse fato – do boicote da imprensa – era é fácil entender “pela da maneira com que trata os repórteres”. Repetindo o que lia sem saber que ele protestava contra os veículos, não com os repórteres como eu ou ele.
Plínio Marcos explicou como funcionava.
– O Estadão - jornal Estado de São Paulo – não crítica nem elogia, simplesmente me ignora. Só a mim, a Dom Hélder Câmara – bispo católico, arcebispo emérito de Olinda e Recife; um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e grande defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Pregava uma Igreja simples, voltada para os pobres, e a não-violência; o brasileiro por mais vezes indicado ao Prêmio Nobel da Paz, com quatro indicações - e muitas outras pessoas "
Para Plínio Marcos, naquele 1985, a imprensa brasileira já deixava muito a desejar. Se fosse vivo hoje diria que nada mudou na mídia
– Considero o jornal Folha de São Paulo uma porcaria. O único jornal razoável do Brasil é o JB, o Jornal do Brasil. Também não gosto do trabalho desenvolvido pela televisão e o do rádio pior ainda. - analisava
Sobre Tancredo e Sarney, tinha uma visão muito clara.
– Nada mudará com o novo governo – depois da ditadura – a única coisa nova é o nome, o resto é tudo velho. É necessário uma participação geral, de todos os segmentos da nação. Com Tancredo também não seria diferente, ele era um conservador que fez o ministério reacionário. O governo de José Sarney será a mesma coisa dos outros. - profetizou.
À minha pergunta sobre o que ele achava bom para o Brasil, Plínio Marcos respondeu sem pestanejar: “o povo. Para que seja feito algo, tem que ser iniciado de baixo para cima, caso contrário o resultado será nada " concluiu.
Quem era
Plínio Marcos de Barros (Santos, 29 de setembro de 1935 — São Paulo, 19 de novembro de 1999) foi um escritor brasileiro, autor de inúmeras peças de teatro, escritas principalmente na época do regime militar. Foi também ator, diretor e jornalista. Foi casado por 25 anos com a jornalista Vera Artaxo, falecida em julho de 2010, e, anteriormente, com a atriz Walderez de Barros, com quem teve três filhos, entre os quais, o também dramaturgo Léo Lama. Na década de 1980, apesar da censura do governo, que visava principalmente aos artistas, Plínio Marcos viveu sem fazer concessões, sendo intensamente produtivo e sempre norteado pela cultura popular. Escreveu nos jornais Última Hora, Diário da Noite, Guaru News, Folha de S.Paulo, Folha da Tarde, Diário do Povo (Campinas), e também na revista Veja, além de colaborar com diversas publicações, como Opinião, O Pasquim, Versus, Placar e outras.
A obra.
Obra teatral. Teatro adulto
- Barrela, 1958
- Os fantoches, 1960
- Jornada de um imbecil até o entendimento (1ª versão)
- Enquanto os navios atracam, 1963
- Quando as máquinas param (1ª versão)
- Chapéu sobre paralelepípedo para alguém chutar (2ª versão de Os fantoches)
- Reportagem de um tempo mau, 1965
- Dois perdidos numa noite suja, 1966
- Dia virá (1ª versão de Jesus-homem), 1967
- Navalha na carne, 1967
- Quando as máquinas param (2ª versão de Enquanto os navios atracam), 1963
- Homens de papel, 1968
- Jornada de um imbecil até o entendimento (3ª versão de Os fantoches)
- Abajur Lilás, 1969
- Oração de um pé de chinelo, 1969
- Albina de Iansã (musical), 1970
- Feira livre (opereta), 1976
- Noel Rosa, o poeta da Vila e seus amores (musical), 1977
- Jesus-homem, 1978 (2ª versão de Dia virá, 1967)
- Sob o signo da disco teque, 1979
- Querô, uma reportagem maldita (adaptação para teatro do romance do mesmo título, escrito em 1976), 1979
- Madame Blavatski, 1985
- Balada de um palhaço, 1986
- A mancha roxa, 1988
- A dança final, 1993
- O assassinato do anão do caralho grande (adaptação para teatro da novela do mesmo título), 1995
- O homem do caminho (monólogo adaptado de um conto do mesmo título, originalmente intitulado Sempre em Frente), 1996
- O bote da loba, 1997
- Chico Viola(inacabada), 1997
Teatro infantil
- As aventuras do coelho Gabriel, 1965
- O coelho e a onça (história dos bichos brasileiros), 1998
- Assembléia dos ratos, 1989
- Seja você mesmo (inacabada)
Livros
- Navalha na carne (teatro), 1968
- Quando as máquinas param (teatro), 1971
- Histórias das quebradas do mundaréu (contos), 1973
- Barrela (teatro) (1976)
- Uma Reportagem Maldita – Querô (romance), 1976
- Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos (contos), 1977
- Dois perdidos numa noite suja (teatro), 1978
- Oração para um pé-de-chinelo (teatro), s/data
- Jesus-homem (teatro), 1981
- Prisioneiro de uma canção (contos autobiográficos), 1982
- Novas histórias da Barra do Catimbó (contos), s/d
- Madame Blavatski (teatro), 1985
- A figurinha e os soldados da minha rua – histórias populares (relatos autobiográficos), 1986
- Canções e reflexões de um palhaço (textos curtos), 1987
- A mancha roxa (teatro), 1988
- Teatro maldito teatro (contém as peças Barrela, Dois Perdidos Numa Noite Suja e O Abajur Lilás), 1992
- A dança final (teatro), 1994
- Na trilha dos saltimbancos (conto), data imprecisa
- O assassinato do anão do caralho grande (noveleta policial e peça teatral), 1996
- Figurinha difícil – Pornografando e subvertendo (relatos autobiográficos), 1996
- O truque dos espelhos (contos autobiográficos), 1999
- Coleção melhor teatro (com as peças Barrela, Dois perdidos numa noite suja, Navalha na carne, Abajur lilás, Querô), 2003
Obras publicadas no exterior
Kéro, un reportage maudit, traduzido por M. Kerhoas e P. Anacaona, collection Urbana, Editions Anacaona, Paris, 2015
Fonte consultada sobre obras: Wikipedia