Como em todas as noites de sábado, aquela churrascaria faz a alegria dos jovens nascidos nos anos das décadas de 1950 e 1960. A Alvorada é o clube da moda. Rapazes e moças colocam suas melhores roupas, sapatos e perfumes e, depois do vaivém da Praça Santa Luzia, buscam aquele trecho da Rua Presidente Vargas, entre Marechal Floriano e Cel. João Cândido, aonde fazem também um vaivém e onde fica o salão de baile da cidade.

As meninas começam a “enfeitiçar” os meninos com saias curtíssimas, chamadas de minissaia. Moda que acaba de chegar das capitais e nos deixam loucos. Usam também uma calça justa – a que chamam Slack —, pressionada no tornozelo, de um tecido parecido lycra.

Nós, os rapazes, usamos calças e camisas feitas por costureiras da cidade. Aliás, muito bem-feitas. Eu, por exemplo, gosto de calça e jaqueta pretas (tanto que quando um conjunto fica zurrado, mando fazer outro igualzinho). Ou então, calças jeans, camisas ban-lon — malha que estava na moda nos anos 60 e 70, era um processo de texturização que ondulava o fio e dava elasticidade ao tecido sintético, mais caras, portanto mais raras – e, no inverno, blusas caxarrel, que compramos na Casa Moderna, no Facury ou no Jamal.
Os jovens mais abastados – filhos do Dr. Figueiredo, do Dr. Brandão e outros - buscam em Belo Horizonte ou São Paulo. 

A Churrascaria Alvorada é democrática. Vamos todos prá lá, curtir o som dos nossos “conjuntos musicais”: Metralhas, Brasilian Hippies, H6, Super Som 201, e outras bandas que surgem ou vêm de fora. Mudam os nomes, mas os músicos, admirados por todos, são quase sempre os mesmos: primeiro, Cabide, Marconi Mathias, Wanderley Guarda, Zé Eustáquio, Edson Bragança, Luiz Cabeleira, Rizzo, Zé Piquira, Anísio, Átila; depois Lazinho Lacerda, Zé Onofre, Sonin, Pindoba, Hélio Tinoco e os técnicos Marcelo Mathias, Júlio e Serginho Picum.       .

Tudo é festa para essa geração. A cidade é pacata. Diferente de hoje, poucos problemas. Os pais são mais rígidos. A violência urbana se restringe a uma ou outra briga de jovens, nada mais. Raramente acontece um assassinato. E quando ocorre, vira assunto o ano inteiro. Todavia, num sábado, a cidade fica chocada. Não por um crime violento, mas um acidente.

A cidade estava preparada para o show do cantor Márcio Greick. O movimento na porta de churrascaria era muito grande. De repente, o barulho de uma frenagem abafa o som do conjunto que toca animado, dentro do clube. Gritos, choro e desespero dos jovens. O som para, todo mundo sai da churrascaria tentando entender o que acabara de acontecer. Uma adolescente alegre, bonita, comunicativa, cheia de vida e amigos, como todas de sua geração, jaz no asfalto da Rua Presidente Vargas. Ela também chegava à Churrascaria Alvorada, para o show do cantor de “Impossível acreditar que perdi você”, e foi atropelada bem em frente ao templo da alegria de centenas de jovens.

Alguém grita:

— Meu Deus, é a Glorinha!

Não precisava sobrenome. Todos se conheciam. Se não intimamente, de ver nos mesmos ambientes: cinema, praça, e, dentro do principal ponto de lazer da cidade: a Churrascaria Alvorada.

A família mora perto. O pai da jovem, conhecido por gostar de andar num cavalo bonito e grande pela cidade, gente de bem, é avisado. Não acredita e vai conferir o que está irremediavelmente perdido.

Quando a família constata a tragédia, o desespero toma conta. E isso é contagioso. Todos ali não conseguem se conter. O show é cancelado. No dia seguinte, o enterro. Quase toda a cidade chora a morte de Glorinha, e estava lá, no cemitério. Os jovens frequentadores da Churrascaria Alvorada – incluindo os músicos e funcionários – seguramente compareceram.

Não sei se foi isso, mas, aquele clube nunca mais teve o mesmo brilho depois dessa tragédia. Ainda hoje, quem viveu aquele momento e, principalmente, os amigos e amigas dela na época, sabem que a Churrascaria Alvorada foi uma antes e outra depois da morte da garota Glorinha. 


Cronica do livro "O Som da Memória - O retorno" , que será lançado em setembro de 2022

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