O jovem Satiro Cunha nos tempos de Patrocínio. Fotos: album de família
Uma semana depois das perdas de Gal Costa e Rolando Boldrin, na semana da partida de Erasmo Carlos, perdas significativas para a música brasileira, Patrocínio sente a partida de um grande artista na arte de comunicar, o locutor dos anos 1970: Satiro Lazaro Cunha.
Quando comecei a escrever “O Som da Memória”, que depois virou livros de crônicas, o objetivo era registrar os movimentos de minha geração que era adolescente nos anos 1970 e contar um pouco da história do rádio. E, esta, é uma que nunca contei. A convivência com Satiro Cunha que faleceu no início da semana, segunda, 21 de novembro em Brasília.
Vou contar quem era Satiro Lázaro Cunha com a reverência que ele merece.
Meu tio Deca e meu primo Martinho trabalhavam na Rádio Difusora. Eu ia quase todo dia naquele 1971 à emissora. Havia vários bons locutores na época: Jorge Antônio Coelho, José Maria Campos, Leonardo Caldeira, Assis Filho, Humberto Cortes. Entre eles tinha um de voz inconfundível. Um sujeito baixinho de voz marcante e muito “boa praça” — que era como as pessoas chamavam alguém especial.
Quando comecei a frequentar a Difusora, Satiro Cunha apresentava “A Hora do Desenvolvimento”, as 13 horas. Aos poucos — mesmo com a diferença de idade, Satiro tinha 23 anos e eu 17 —, fomos nos tornando amigos. Já tínhamos um relacionamento antes. Em 1970, quando seu sogro, seo Amador, pai da esposa Dalmina (então namorava) morreu, passamos a noite conversando. Ele e Dalmina se casaram em 1971.
Entrei na rádio como funcionário em setembro de 1971. Ainda convivi alguns meses com Satiro Cunha na rádio, pois em dezembro Satiro mudou-se com a família para Brasília. A filha Nara Fabiana Cinha conta que em dezembro de 1971, Satiro foi para Brasília para arrumar emprego e um local para morar. “Depois voltou em janeiro de 1972 para buscar a gente”, conta.
Lá, trabalhou na Rádio Alvorada, graduou-se em Direito e entrou para a Caixa Federal.
Sempre prestativo, uma vez Satiro veio passear em Patrocínio e eu solicitei que gravasse algumas vinhetas para programas da Difusora, uma vez que a voz dele era inconfundível. Uma das mais lindas e possantes que ouvi na vida. Ele ficou nada menos de cinco horas dentro do estúdio. Gravou vinhetas de toda a programação. Depois desse dia, nunca mais o vi. O que lamento muito.
Como perder um irmão que está distante, a morte de Satiro Cunha me dá um sentimento de perda enorme. Eu queria contar a história desse homem sem deixar passar nada. A filha dele, Nara, enviou um memorial que tomo a liberdade de publicar:
“Satiro Lazaro da Cunha nasceu em Vazante, Minas Gerais, em 04 de Abril de 1948. Depois cresceu em Patrocínio, Minas Gerais, onde trabalhou na Rádio Difusora, desde os seus 15 anos. Por volta de seus 20 anos, conheceu sua amada esposa Dalmina e teve sua primogênita Nara. Seguiram para desbravar Brasília, em 1971, onde trabalhou de tudo um pouco: pintor, radialista, advogado. Constituiu uma família linda de 4 filhos, Nara (médica), Bruno (administrador e TI), Sarah (advogada) e Letícia (jornalista). Deixa 4 netos: Pedro (14 anos), Guilherme (10 anos), Melissa (13 anos) e Arthur (5 anos). Dois genros, Michel (servidor público) e Márcio (servidor público). Uma nora, Eliane (farmacêutica).
Satiro e colegas de rádio em Brasilia. Fotos: album de família
Em Brasília, iniciou trabalhando como radialista, fez parte do Ministério do Exército, cursou Direito. Passou no concurso da Caixa Econômica Federal onde fez parte do conceituado Departamento Jurídico dessa instituição.
Viveu rodeado da família. Nunca deixamos de comemorar um aniversário sequer, um dia dos pais sequer. Sempre vaidoso, gostava muito de uma camisa nova e já a vestia assim que a recebia de presente. Colecionava relógios. E adorava contar um causo; chegou até a participar de um livro. Os maiores de 40 anos aqui, que gostavam de ouvir rádio, devem se lembrar das “Histórias que o povo conta”, programa noturno semanal e de domingos que ele fazia, na extinta Rádio Alvorada. Depois, seguiu como Advogado da Caixa Econômica Federal, onde se aposentou.
Não foi perfeito, ninguém o é. Mas foi um exemplo. Deixou um legado para a família e para todos que conviveram com ele: ensinou o valor do trabalho honesto, do respeito, do amor, da doação, da fidelidade aos princípios. Ensinou, do jeitinho dele, os caminhos do Senhor, nosso Pai Celestial.
Fomos privilegiados em conviver com o Sr. Satiro Cunha.
Romeu Queiroz ao violão e Satiro Cunha na Difusora. Fotos: album de família.
A despedida foi doída, mas foi serena. Ele teve a oportunidade de se despedir de cada um dos filhos, genro e esposa. Ele orou e pediu que Deus cuidasse de toda a sua família. Pediu que o Pai Celestial o recebesse em Seus braços. Por isso, embora tristes com esse rito da passagem, estamos conformados. Sabemos que ele está bem, junto de nosso querido Deus. Descansou. Cumpriu sua missão. O céu está em festa. Amém.
Com carinho, Nara.
Em 21/11/2022″.
Os colegas dele na Caixa Federal, onde Satiro fez a vida, publicaram também uma homenagem póstuma:
“Alguém sempre disposto a ajudar, um exemplo de profissional e um amigo fiel. Esses são alguns dos adjetivos usados pelos associados Jailton Zanon, Salvador Congentino Neto e pela advogada aposentada Neiva Pereira para descrever o colega Satiro Lazaro da Cunha, falecido na última segunda-feira (21/11).
Admitido na CAIXA em 1978, o advogado construiu uma trajetória marcada por dedicação, respeito ao trabalho e espírito coletivo, característica destacada com carinho pelo associado Salvador Congentino Neto (CEAJU-DF). ‘Aprendi muito com o Dr. Satiro. Chegamos na Caixa em 2002 uma grande leva de advogados recém formados entrando por concurso, mas com pouca experiência profissional. O Dr. Satiro teve muita paciência conosco, nos explicando com gentileza e educação os segredos, os aspectos práticos e o bom senso necessários para o exercício da profissão’, conta.
A alegria de Satiro contagiava a todos ao redor. Com esse mesmo sentimento, o associado Jailton Zanon (DIJUR-DF) recorda dos momentos compartilhados com o colega. ‘Dr. Satiro foi um exemplo de advogado, além de um ser humano especial. De suas tiradas lembro da principal, falando de sua cidade natal, onde foi radialista, aliás. Patrocínio só tem uma. O resto é Patrocínio de lugar’[risos].
Satiro Lázaro Cunha já aposentado em Brasilia, DF . Fotos: album de família
A advogada aposentada Neiva Pereira, de Brasília, também refletiu sobre a morte do colega. ‘A partida ‘antes do combinado’ do querido Dr. Satiro para a casa do Pai, me trouxe várias e sempre boas lembranças da pessoa maravilhosa, do colega leal, do amigo que sempre tinha um ombro amigo, um ninho, um colo para acolher a todos ao seu redor’. comenta. Para ela, o poema a seguir ajuda a expressar o sentimento que fica.
‘Benditos Sejam’
Benditos sejam os que chegam em nossa vida em silêncio, com passos leves para não acordar nossas dores, não despertar nossos fantasmas, não ressuscitar nossos medos.
Benditos sejam os que se dirigem a nós com leveza, com gentileza, falando o idioma da paz pra não assustar nossa alma.
Benditos sejam os que tocam nosso coração com carinho, nos olham com respeito e nos aceitam inteiros com todos os erros e imperfeições.
Benditos sejam os que podendo ser qualquer coisa em nossa vida, escolhem ser doação.
Benditos sejam esses seres iluminados que nos chegam como anjo, como flor ou passarinho, que dão asas aos nossos sonhos e tendo a liberdade de ir escolhem ficar e ser ninho.’
‘Bendito seja você, Dr. Satiro!
Vá em paz, meu amigo. Voe alto
Saudades e gratidão!’, completou Neiva Pereira.
A Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal (Advocef) agradece aos colegas que, mesmo abalados e profundamente tocados pela perda, contribuíram com a produção desta singela homenagem ao brilhante advogado Satiro Lazaro da Cunha. Mais uma vez, a associação presta condolências e se solidariza com os amigos e familiares pela inestimável perda.
Satiro Lazaro da Cunha
✮ 04/04/1948
✞ 21/11/2022 ”
Pedro, o neto de Satiro
Uma história que marca bem a personalidade do Satiro e seu relacionamento com todos, a familia especialmente. A filha Nara diz que seu filho, Pedro (que é pianista), tinha um recital marcado. E comunicou nas redes sociais: "Como sabem perdi o meu paizinho hoje e ele, seu amado avô, amigo e confidente. Então, veio a pergunta: "Mamãe, apresento ou não recital?" Respondi ao Pedro com uma outra pergunta: "O que você acha que seu avô diria?" De imediato Pedro disse: vou apresentar . Essa fala resume o que o vovô Satiro sempre nos ensinou: seguir em frente. Mesmo diante das dificuldades. Então esse recital é uma homenagem a memória do Senhor Sátiro Cunha. E uma forma de resgatarmos tudo de bom do legado deixado por ele", escreveu.
Saudades. À familia, aos amigos e colegas de Patrocínio, os sentimentos de pesar.