Coube a um casal de mineiros de Patrocínio — Juliano Alves Machado, tabelião titular e Patrícia Lara Costa Machado, tabeliã substituta —, registrar a importância deste momento para o país.
O atual e moderno Cartório do Segundo Ofício no centro de Cáceres, Mato Grosso. Fotos e imagens: divulgação
Da redação da Rede Hoje
Em 2024, o Cartório do Segundo Ofício de Cáceres, localizado na cidade homônima em Mato Grosso, comemora seus 150 anos de existência. Fundado em 15 de junho de 1874 pelo 2º Tabelião Manuel José Murtinho, este cartório é um marco na preservação dos registros históricos que documentam a vida e eventos significativos da comunidade.
Ao longo de um século e meio, o cartório se firmou como um guardião da memória histórica não apenas de Cáceres, mas também do Brasil. A data não passou em branco, pelo contrário, coube a um casal de mineiros de Patrocínio — Juliano Alves Machado, tabelião titular e Patrícia Lara Costa Machado, tabeliã substituta —, resgatar a história dos livros de registros e marcar a importância deste momento.
Vinícius Costa Machado, advogado e economista, atua no cartório e os pais, tabeliães: Patrícia Lara (substituta) e Juliano Machado (titular)
Equipe atual do cartório
Cartório em funcionamento
Abertura do Primeiro Livro de Notas
O primeiro livro de notas do cartório é um testemunho da importância da preservação documental. A abertura deste livro, datada de 15 de junho de 1874, é um exemplo claro da formalidade e seriedade com que os registros eram tratados:
"Pertence este livro ao cartório do 2º Tabelião do Trono d’esta Villa, e servirá para o lançamento das competentes Notas, depois de sellado na forma das disposições em vigor. Villa Maria, 15 de junho de 1874. Manuel José Murtinho."
Escritos Históricos Preservados: Escravos
Entre os registros mais antigos e significativos, destaca-se o comércio de seres humanos e tambérm a libertação de alguns. A escritura declaratória de alforria do escravo Francellino Pereira Leite, datada de 20 de junho de 1874 é o documento que não apenas registra a libertação de um escravo, mas também oferece uma janela para a linguagem e costumes da época:
"Por esta a meo rogo feito, e a meo rogo assignada, declaro que sou senhora e possuidora de um escravo de nome Francellino Pereira Leite, mulato, de idade de vinte anos, o qual escravo de minha livre espontânea vontade e sem constrangimento de pessoa alguma, concedo desde já a liberdade em recompensa aos seus bons serviços e de facto liberto fica de hoje para sempre afim de que possa gozar de sua liberdade como se de ventre livre nascesse..."
(D. Maria Josefa de Jesus Leite, 12 de Novembro de 1867)
Outro documento mostra como a negociação de escravos se fazia como hoje se vendem bois. É a escritura de venda de uma escrava de nome Luiza, datada de 22 de fevereiro de 1875, ilustrando a complexidade das transações comerciais e sociais da época:
"Entre partes, que José Dulce e companheira faz venda ao cidadão João Leite da Silva Freire pela quantia de oitocentos mil reis... Saibão quantos este público instrumento de escriptura virem, que sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta e cinco, aos vinte e dois dias do mez de Fevereiro do dito anno, nesta cidade de São Luiz de Cáceres..."
Primeiros Registros de Nascimento, Casamento e Óbito
O cartório também preserva os primeiros registros de nascimento, casamento e óbito da cidade. O primeiro registro de nascimento data de 14 de agosto de 1875, de José Guedes Murtinho:
"Aos quatorze dias do mez de agosto de mil oitocentos e setenta e cinco, nesta cidade de São Luiz de Cáceres, Parochia de mesmo nome, e em casa de residência do Doutor Manoel José Murtinho, onde eu escrivão abaixo nomeado fui vindo, hai por ele me foi apresentada uma criança recém nascida de côr branca e do sexo masculino, a fim de eu fizer o seu registro de nascimento..."
O primeiro registro de casamento, que inclui a legitimação dos filhos, ocorreu em 17 de agosto de 1875:
"Aos dezessete dias do mez de agosto de mil oitocentos e setenta e cinco, nesta cidade de São Luiz de Cáceres, Parochia de mesmo nome, em meu cartório compareceram pessoalmente o Tenente Gabriel Nunes de Araújo e sua mulher D. Maria Francisca de Guimarães, pedindo-me para eu fazer o assentamento de seu casamento..."
E o primeiro registro de óbito, datado de 23 de junho de 1875, de Laura Maria da Paixão:
"Aos vinte e três dias do mez de junho de mil oitocentos e setenta e cinco, nesta cidade de São Luiz de Cáceres, Parochia de mesmo nome, em meu cartório compareceram o Alferes do Batalhão de Infantaria número dezenove Antônio Corrêa de Oliveira, actualmente extacionado n’esta Cidade e ahi perante mim declarou que hoje às nove e meia hora da manhã fallecêra da vida presente, em sua casa Rua de Baixo, Laura Maria da Paixão com oitenta e seis annos de idade..."
Documentos originais digitalizados e expostos ao público, veja
A Relevância da Preservação Documental
A preservação desses documentos é vital para a compreensão da história local e nacional. Eles oferecem uma visão detalhada dos costumes, da linguagem e das estruturas sociais de uma época passada. O trabalho dos tabeliães e a manutenção desses registros são essenciais para manter viva a memória histórica de Cáceres, garantindo que as futuras gerações possam acessar e aprender com esses testemunhos do passado.
Depoimentos e a Importância do Cartório na História
Os depoimentos dos tabeliães atuais reforçam o compromisso com a preservação da memória e a importância do cartório como um guardião da história. Juliano Alves Machado, tabelião titular, expressa seu orgulho e honra em fazer parte desta história:
"É uma honra atuar como Tabelião do Cartório do 2º Ofício de Cáceres e comemorar esta data tão significativa de 150 anos de existência, sendo este cartório até onde se sabe o 3º criado no Estado de Mato Grosso, ficando atrás apenas de Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital deste Estado e para Cuiabá, atual capital. O cartório conta com um acervo riquíssimo datado da época do Império de D. Pedro II, antes mesmo da sanção da Lei Áurea aos dias atuais. Curiosamente o cartório foi criado no mesmo ano em que se instituiu também o Tribunal de Justiça de Mato Grosso que comemora seus 150 anos neste ano. A intenção ao celebrar esse momento foi apresentar ao povo cacerense e mato-grossense uma pequena amostra da riqueza da própria história gravada nos livros dos quais atualmente sou guardião mas que pertence ao povo, pois perpassa da obscuridade da escravidão à luz da tecnologia. Foi também criado um espaço cultural com nome do meu saudoso pai (Dr. José Humberto Machado), para que artistas locais possam expor suas obras e assim aproximarmos nosso usuário de sua própria tradição e cultura. Dessa forma, em conjunto com minha esposa e substituta e toda equipe estamos sempre valorizando a tradição, mas voltados à inovação em gestão e atendimento aos nossos clientes, na busca constante da melhoria da imagem da atividade cartorial junto à comunidade, nos aproximando cada vez mais dela, pois somos parte do dia a dia dos cidadãos."
Já Patrícia Lara Costa Machado, tabeliã substituta, destaca a importância de manter o legado do cartório e a honra de participar deste momento histórico:
"Temos a oportunidade de expor um pequeno vislumbre de nosso acervo que conta a história não só do povo cacerense, mas do povo brasileiro em geral, através de suas páginas que nos revelam como vivia a sociedade pré-republicana e como as relações vão se moldando e se transformando ao longo do caminhar da humanidade. Trata-se de olhar para trás com respeito aos trabalhos desenvolvidos em nossa Serventia e mirar para o futuro contando com uma equipe bem preparada para atender de forma humanizada, atenta e respeitosa. Após 150 anos é urgente que a imagem dos cartórios em geral ganhe novo formato para a comunidade. Que ela saiba que pode contar conosco para resolução de problemas, para segurança jurídica em seus negócios, para eficácia legal das relações que estabelecem, para que um indivíduo passe a ser um cidadão e adquira todos os seus direitos e deveres a partir de seu registro, enfim para que se estabeleça essa relação saudável entre a comunidade e os cartórios. Conhecendo nosso passado notarial e registral queremos ser agentes atuantes de mudança, inovação, crescimento, sem jamais perder o que nos é mais precioso: o servir nosso usuário de forma transparente, ética, célere e eficaz."
Memória, agora registrada e em exposição
Celebrar os 150 anos do Cartório de Cáceres é uma oportunidade para reconhecer o valor dos registros históricos e a necessidade de sua preservação para as gerações futuras. É através desses documentos que entendemos nosso passado e construímos um futuro mais consciente e informado. A Rede Hoje Minas parabeniza a cidade mato-grossense de Cáceres por sua contribuição vital para a história do país, celebrando um século e meio de preservação e serviço à comunidade.
Uma exposição permanente de artes com artistas do Mato Grosso e de Cáceres torna o ambiente do cartório mais humano e menos burocrático.
Veja abaixo as fotos da comemoração dos 150 anos do Cartório do 2o Ofício de Cáceres em 15 de junho de 2024: