Em audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a participação é vista como essencial para o enfrentamento dessa realidade.
Crédito foto: Daniel Protzner
Os participantes analisaram desafios e avanços de tentativas de enfrentamento à violência contra a mulher
Da redação da Rede Hoje
No Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, celebrado em 25 de novembro de 2024, os dados alarmantes revelam que a luta contra a violência feminina ainda enfrenta desafios significativos. No Brasil, a cada seis horas, uma mulher é assassinada, o que evidencia a gravidade da situação.
Durante uma audiência pública promovida pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), diversos especialistas destacaram que a participação ativa dos homens, principais agressores, é essencial para o enfrentamento dessa realidade.
Relatório “Feminicídios em 2023”
A violência contra a mulher se espalha pelo mundo, e, segundo o relatório “Feminicídios em 2023”, divulgado pela ONU, 140 mulheres são mortas diariamente por membros de suas famílias, o que equivale a uma morte a cada 10 minutos. O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou o feminicídio como uma epidemia que afeta mulheres e meninas em todo o mundo, e que, ao longo da vida, uma em cada três mulheres será vítima de algum tipo de violência.
No Brasil, os feminicídios estão entre as maiores taxas de violência. Ellen dos Santos Costa, coordenadora-geral da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), apontou que o feminicídio é reflexo de desigualdades estruturais, culturais e históricas, como o machismo e o racismo, presentes em muitas sociedades. O Brasil ocupa posições de destaque em termos de violência contra as mulheres, e a coordenadora enfatizou que entender as raízes desse problema é fundamental para a sua solução.
Tema "Feminicídio Zero!"
A audiência, que teve como tema "Feminicídio Zero!" e foi solicitada pela deputada Ana Paula Siqueira, também refletiu sobre a importância da campanha nacional de 21 dias de ativismo pelo fim da violência, que começou no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. A escolha dessa data, segundo a deputada, se deve ao fato de as mulheres negras serem as principais vítimas da violência doméstica. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 revelam que 63,3% das mulheres assassinadas em 2023 eram negras.
Ana Paula Siqueira também lamentou o fato de Minas Gerais liderar o ranking nacional de feminicídios. Apesar de uma redução de 24% nos assassinatos de mulheres em comparação com o ano passado, a deputada ressaltou o aumento nos casos de feminicídio tentado, que subiram 56%, de 139 para 217. Para ela, é urgente falar sobre violência não apenas com as mulheres, mas também com os homens, já que são eles os principais responsáveis pelos atos de agressão.
A coordenadora Patrícia Habkouk, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, chamou atenção para a falta de conscientização das vítimas sobre seus direitos e a violência sofrida. De acordo com o anuário, apenas 32% das mulheres negras reconhecem a violência, e somente 28% solicitam medidas protetivas. Ela também destacou que muitas mulheres não têm acesso a serviços de apoio adequados, especialmente nas periferias e áreas mais afastadas.
Uma das estratégias para enfrentar essa situação é envolver os homens na luta contra a violência. Ellen Costa, do Ministério das Mulheres, mencionou a importância da campanha “Feminicídio Zero!”, que busca o engajamento da sociedade, incluindo homens, na conscientização e prevenção da violência de gênero. A campanha já conta com 120 parceiros, incluindo empresas, órgãos estaduais e movimentos sociais, e uma das ações foi a inserção da mensagem em eventos esportivos, ambientes tradicionalmente dominados por homens.
Envolver os homens na prevenção
Foto: Daniel Protzner
Ellen Costa, do Ministério das Mulheres: “cada cidadão, cada cidadã pode sim ser um agente de transformação, denunciando, apoiando as vítimas e promovendo uma cultura de respeito e igualdade”.
Além disso, outras iniciativas estão sendo desenvolvidas para envolver os homens na prevenção da violência. O Tribunal de Justiça, por exemplo, promove grupos reflexivos para homens agressores, e a Defensoria Pública realiza cursos e distribui materiais educativos sobre o tema. A Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte também desenvolve ações com crianças e adolescentes para prevenir futuros casos de violência, como a distribuição de uma cartilha que alerta sobre relacionamentos abusivos.
Durante a audiência, foram mencionados alguns avanços no combate à violência contra as mulheres. A inclusão da reeducação de agressores na política estadual de atendimento às vítimas, proposta pela Lei 22.256, de 2016, foi destacada por Anabel Pessôa, cofundadora do Instituto Maria da Penha. A medida visa tratar a raiz do problema, que é o machismo. Outra conquista foi a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que derrubou os prazos para medidas protetivas, garantindo que elas permaneçam válidas enquanto o risco à vítima existir.
40 anos de prisão
A promotora Patrícia Habkouk também destacou a recente alteração no Código Penal, com o aumento das penas para diferentes formas de violência, especialmente o feminicídio, cuja pena agora pode chegar a 40 anos de prisão. Embora as medidas penais sejam importantes, os especialistas concordam que é necessário mais do que punição para combater a violência, sendo fundamental o investimento em ações de prevenção, conscientização e acolhimento.
Nem 100 conselhos municipais em Minas
Entretanto, um dos maiores desafios ainda é levar as políticas de enfrentamento da violência às mulheres mais vulneráveis e aos municípios mais distantes. De acordo com Joana Maria Teixeira Coelho Moreira, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Minas Gerais, existem menos de 100 conselhos municipais espalhados pelos 853 municípios de Minas, o que dificulta o acesso das mulheres à rede de proteção. A deputada Ana Paula Siqueira também lamentou a falta de orçamento para a implementação de políticas públicas eficazes e pediu mais investimento em políticas de proteção.
Por fim, todos os participantes da audiência reconhecem a necessidade urgente de fortalecer a rede de proteção e ampliar os conselhos municipais. A deputada Ana Paula Siqueira ressaltou que, sem uma rede estruturada, será difícil realizar conferências e eventos de enfrentamento da violência nos municípios em 2025, ano das conferências municipais, estaduais e nacional. A luta pela eliminação da violência contra a mulher exige compromisso e engajamento de toda a sociedade, especialmente das autoridades públicas.