Em audiência que celebrou o Julho das Pretas, na ALEMG participantes destacaram a violência imposta a essa população e defenderam ações afirmativas.
Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher - debate sobre o Julho das Pretas Representantes de diversos movimentos sociais e lideranças da luta dos negros participaram da audiências. Fotos: Guilherme Dardanhan
Da Redação da Rede Hoje
A ausência de mulheres negras em espaços de poder e a necessidade de ações afirmativas foram destacadas em audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas que celebrou o Julho das Pretas. Participantes salientaram que essas mulheres são as principais vítimas de todos os tipos de violência e precisam se manter organizadas e mobilizadas para transformar sua realidade.
Anualmente, o Julho das Pretas debate pautas relacionadas à superação das desigualdades de gênero e raça. A 11ª edição tem como tema "Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver". A audiência foi realizada nesta terça-feira (18/7/23), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), também para comemorar a data de 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Vários dados estatísticos foram apresentados na reunião e reforçam a discriminação de gênero e de raça imposta às mulheres negras. Elas são duas em cada três vítimas de feminicídio, como destacou a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da comissão. “Das 15 deputadas de Minas, quatro são negras”, observou.
Mulheres negras ocupam 2,2% dos cargos de direção e gerência na região Sudeste, contra 5,2% de mulheres não negras. A renda média também é diferente, R$ 1,8 mil e R$ 3 mil, respectivamente, segundo dados trazidos por Ana Gabriela Melo Rocha, promotora do Ministério Público de Minas Gerais. Ainda segundo ela, dos 570 cargos de elite no Poder Executivo estadual, apenas 14% são ocupados por negros e pardos, incluindo-se homens e mulheres.
Ana Gabriela cobrou estudos que façam um levantamento completo desse cenário. “Sem dados, não há política estratégica”, justificou. Ela ainda pontuou que o combate ao preconceito de gênero, raça e classe não é favor, mas um dever constitucional que vincula todos os Poderes, o setor privado e a sociedade. “Só vamos conseguir discutir o bem viver da mulher negra quando fizermos a discussão do racismo estruturante na sociedade brasileira”, afirmou.
Na magistratura brasileira, há 18% de negros e, destes, 7% são mulheres, apontou Sílvia Souza, presidenta da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Como a Justiça, branca e elitizada, pode ser livre do racismo estrutural? A neutralidade do juiz é um mito. Somos formados pelo que aprendemos a vida toda”, ponderou. Por isso mesmo, na visão de Sílvia, as ações afirmativas são importantes para garantir o acesso de mulheres negras a esses espaços.
Deputadas reforçam importância do 25 de julho
As deputadas Ana Paula Siqueira, Andréia de Jesus (PT), Leninha (PT) e Macaé Evaristo (PT), autoras do requerimento de audiência, destacaram a importância do dia 25 de julho como marca de luta das mulheres negras. Macaé Evaristo rememorou a história dessa iniciativa, criada em 1992, durante um encontro de mulheres na República Dominicana. Só em 2014, segundo ela, a data foi reconhecida no Brasil, homenageando a líder quilombola Tereza de Benguela.
“As mulheres não estão nos marcos legais. Minas Gerais, por exemplo, não tem legislação sobre política de cotas em concursos públicos”, afirmou. Para suprir essa carência, segundo ela, estão em curso as discussões sobre o Estatuto da Igualdade Racial, também proposto pelas quatro parlamentares. “As ações afirmativas em Minas são urgentes”, avaliou.
Andréia de Jesus complementou que o Estatuto vai também buscar dados sobre a situação dos negros em Minas nas várias áreas. “A perspectiva no Estado é perversa para as mulheres negras”, afirmou. A deputada saudou os vários representantes de movimentos negros que participaram da audiência e reforçou que a estratégia é “aquilombar”.
“Somos resistentes, resilientes, de luta. Somos importantes e necessárias, mas temos muito a enfrentar.”
Dep. Ana Paula Siqueira
Em mensagem gravada, a deputada Leninha lembrou as lideranças femininas precursoras da luta do povo negro. Luta, muitas vezes, pela sobrevivência, conforme destacou.
As quatro deputadas anunciaram, ainda, projeto de lei que institui o Julho das Pretas no âmbito do Estado, com ações durante todo o mês de julho. Atualmente, essa ação é coordenada no País pelo Instituto da Mulher Negra (Odara), organização negra feminista sediada em Salvador.
Elas também homenagearam quatro mulheres negras: Efigênia Pimenta, precursora do Movimento Negro em Minas; Márcia Helena Aparecida de Oliveira Assunção, vice-presidenta da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de Uberlândia ; Maria Vicentina Caldeira, embaixadora da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos da ONU e Honoris Causa Afroindígena; e Luciana de Fátima Oliveira, a Luciana Axé, capoeirista e dançarina afro, representante do Grupo de Capoeira Odara.
Mulheres negras foram homenageadas na reunião, entre elas a precursora Efigênia Pimenta, de 91 anos. Foto: Guilherme Dardanhan
Marolinta Dutra, diretora-presidenta da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos de Minas Gerais; Neuza Neri Santos, liderança do Quilombo Riacho da Cruz, de Januária (Norte de Minas); e Mariléia da Boa Morte Assunção, do Grupo de Consciência Negra de Coronel Xavier Chaves (Região Central) também compuseram a mesa da audiência e destacaram a violência imposta às mulheres negras e a luta contra o racismo e pelos direitos dessa população.
Na fase de debates, foi apontada a necessidade de políticas públicas em Minas que atendam às mulheres negras em diferentes aspectos, como saúde geral e saúde mental, e também de apoio a mulheres privadas de liberdade e mães de detentos. As sugestões foram acatadas pelas deputadas em forma de requerimentos, que serão votados numa próxima reunião da comissão.
A audiência teve, ainda, apresentações artísticas de Nalu Pimenta (harpa) e Manu Ranilla (pandeiro), a poesia de Ana Luíza Rodrigues Pereira e a dança do grupo Bate Pau, de Coronel Xavier Chaves.
Fonte: Comunicação ALMG