Um dos acusados de envolvimento é Anderson Ibrahim Rocha, ex-diretor de futebol do Patrocinense, que enfrentou acusações semelhantes na derrota do clube para a Inter de Limeira na Série D do Campeonato Brasileiro deste ano.

Foto: Reprodução/instagram.com/fcfinnkurd/


A equipe do Finnkurd antes de um jogo em agosto de 2023; Carlos Gaúcho é o primeiro de pé, à esquerda

Da redação da Rede Hoje

Uma denúncia do portal GE revelou, nesta quinta-feira, um esquema de manipulação de resultados no futebol finlandês envolvendo brasileiros. Entre os envolvidos está Anderson Ibrahim Rocha, ex-diretor de futebol do Patrocinense, que já enfrentou acusações semelhantes durante a derrota do clube para a Inter de Limeira na Série D do Campeonato Brasileiro deste ano.

De acordo com a reportagem, o caso ocorreu em 11 de agosto de 2023, em uma partida entre Turun II e Wilpas, válida pela quarta divisão finlandesa. Pouco antes do início do jogo, Anderson Ibrahim Rocha enviou uma foto do campo para um contato identificado como “Ali” no WhatsApp. O estádio era modesto, com uma pequena arquibancada em uma área próxima a uma mata na cidade de Turku.


Conversa entre Anderson Rocha e Décio Soares durante partida em que houve tentativa de manipulação na Finlândia — Foto: Reprodução

A conversa entre Rocha e Ali revela detalhes do esquema. Aos 46 minutos do primeiro tempo, Rocha avisa:

Tomamos um gol.

Ali responde:

Que merda. Justo no finalzinho.

O gol inesperado alterou os planos de apostadores. A expectativa era que o Wilpas segurasse o empate até o intervalo, aumentando os lucros das apostas. Durante o intervalo, Rocha e Ali decidiram que o Wilpas deveria perder por três gols de diferença.

No segundo tempo, Ali ordena:

Já pode começar.

Cinco minutos depois, Rocha confirma:

Já dei sinal.

Os gols seguiram um padrão que evidenciava o esquema. Aos 30 minutos, um erro defensivo permitiu o segundo gol. Pouco depois, um atacante marcou o terceiro quase sem oposição. Rocha relatou:

Bateu. Mas sacaram dois nossos. Só tá o goleiro.

Preocupado, Ali pediu:

Só segure o jogo como tá.

Após o quarto gol, Rocha tranquilizou Ali:

Saiu mais um de segurança. Fiquei com medo do ataque marcar.

Horas depois, Rocha enviou uma foto ao lado de cinco jogadores com a mensagem:

Os meninos merecem comer uma pizza.

Ali respondeu com um emoji de “palmas”:

Merecido.


A Origem da Investigação

As conversas foram extraídas do celular de Rocha, apreendido pela Polícia Federal durante uma operação em junho. Ele foi indiciado em outubro por manipular o resultado de uma partida da Série D, envolvendo Inter de Lmeira-SP e Clbe Atlético Patrocinense-MG. A PF e especialistas apontam que o grupo também fraudou partidas na Argentina, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Malta e Gibraltar.

Os Jogadores e as Condições Precárias

A reportagem do GE revelou que atletas brasileiros foram levados à Finlândia com promessas de oportunidades. Muitos viviam em condições degradantes, recebendo cerca de 40 euros a cada 15 dias para cobrir alimentação. Alguns admitiram pequenos furtos para sobreviver.

Pedro Henrique Oliveira, de 22 anos, relatou que foi convidado a participar do esquema:

Eles queriam que nós manipulássemos jogos. Prometeram R$ 5 mil por partida.

Outro atleta, menor de idade, afirmou:

Fizeram um encontro conosco e explicaram como funcionaria.

Carlos Gaúcho, um dos líderes do esquema, justificava a facilidade da manipulação:

A fiscalização na Finlândia, nesses times menores, não é rigorosa.

Anderson Rocha e o Esquema Internacional

Anderson Ibrahim Rocha, de 34 anos, é proprietário da agência Air Golden e figura recorrente em investigações sobre manipulação de resultados. Um dossiê da Sportradar, encomendado pela CBF, aponta indícios de envolvimento de Rocha em fraudes esportivas desde 2022. Ele atua na gestão de clubes pequenos desde 2017, mas as primeiras suspeitas surgiram em 2022, enquanto dirigia o Altos (PI) e a URT de Patos de Minas (MG).

Em post de junho, agência de Anderson Ibrahim Rocha busca atletas para atuar em país europeus — Foto: Reprodução

Em 2023, Rocha assumiu a direção do Patrocinense após o Campeonato Mineiro e teria ordenado a manipulação de um jogo contra a Inter de Limeira, pela Série D, levando à investigação da Polícia Federal. Ele foi indiciado após evidências apontarem seu envolvimento direto no esquema.

Além disso, a PF apreendeu um telefone de Rocha com contatos registrados na Finlândia. Conversas mantidas por ele, em agosto de 2023, com Décio Antonio Toledo Soares, que também utilizava uma linha finlandesa, reforçam os indícios de ligação com manipulações de resultados no país nórdico.


Supostos manipuladores falam sobre deixar clube em que havia suspeitas e que deveriam apagar conversas — Foto: Reprodução

Em uma das mensagens apreendidas, Soares questiona
Rocha sobre a execução do esquema:

Ano passado, você tentou vender o jogo da Finlândia para mim. Por que não faz as coisas direito?

O Fim do Sonho

Os atletas negaram qualquer envolvimento em fraudes durante o período em que estiveram na Finlândia, entre maio e outubro deste ano. A negativa à proposta de Soares e Carlos Gaúcho deteriorou ainda mais a já frágil relação com os aliciadores.

O destino dos jovens começou a mudar quando encontraram a brasileira Petrânia Alves, auxiliar de enfermagem que vive no país há 19 anos. Apresentada ao lateral-direito Pedro por amigos em comum, Petrânia decidiu ajudar.

– Aos poucos ele foi soltando o que estava acontecendo em casa. Eu comecei a mandar comida para os meninos, mas nem sabia quantos moravam lá.

Logo depois, Petrânia foi contatada por uma finlandesa que havia conhecido um dos atletas e alertou sobre as condições precárias em que viviam.

Petrânia Alves:
– Quando a polícia chegou, eu me identifiquei. A casa estava muito suja. Fiquei horrorizada: tinha uma cama pequena, um sofá e o tapete. Dormiam seis pessoas.

A denúncia mobilizou as autoridades locais, que abriram uma investigação por tráfico humano. A polícia finlandesa contatou a Polícia Federal brasileira, e as investigações avançaram. Alguns jogadores já prestaram depoimento.

– A sensação é de vergonha. Fiquei muito constrangido por tentar mais uma vez o meu sonho. Chegar lá e encontrar uma cena frustrante mexeu muito com a minha cabeça.

Depoimento de Juan sobre as dificuldades enfrentadas.
– Não foi fácil passar fome, dificuldade, ter que pedir comida. Chegar ao ponto de pegar lata na rua... Isso não é algo bom.

Pedro e outros atletas não tinham passagens de volta e precisaram reunir dinheiro com a ajuda de amigos para retornar ao Brasil.

Outro Lado

As pessoas citadas na reportagem foram procuradas pelo GE para comentar o caso. Anderson Ibrahim Rocha, apontado como aliciador, negou as acusações à Polícia Federal, mas não respondeu aos pedidos da equipe de reportagem.

– Eu não tenho o entendimento de como funciona [as apostas].

Carlos Gaúcho, por telefone, negou qualquer envolvimento em fraudes.

– Antes de mim, já tinham ucranianos envolvidos. A ideia era trazer atletas para clubes semiprofissionais e chamar a atenção de times maiores.

Ele também negou que os garotos levados para a Finlândia tenham ficado desamparados e afirmou que as taxas cobradas deveriam cobrir despesas como moradia e burocracias para viver e jogar no país.

O ex-jogador Zé Mário foi apontado como responsável por apresentar os atletas a Soares, mas esclareceu sua posição.
Em relação aos fatos avaliados, esclareço que conheci o Sr. Décio quando atuou como jogador do Guarani. Reitero que não conheço o ‘Gaúcho’ mencionado na denúncia. Quanto ao envio de jogadores para a Finlândia, limitei-me a apresentar os pais dos atletas ao Sr. Décio e não participei de qualquer negociação, jamais tendo estado na Finlândia. Reafirmo que não tive envolvimento nos acordos celebrados entre as partes – declarou.

Zé Mário reforçou que sua função era limitada a observar alguns jogadores.

O volante Jessé Boaventura, de 32 anos, citado em conversas entre Soares e Rocha como um dos jogadores supostamente aliciados, também negou envolvimento com manipulações. Ele explicou que conheceu Soares em 2001, quando jogava no Imperatriz-MA, e Rocha dois anos depois. Segundo Jessé, ele recebeu uma proposta para atuar no Finnkurd com o objetivo de, posteriormente, transferir-se para um clube maior, o que realmente ocorreu. Em 2023, ele foi contratado pelo Reipas e atuou profissionalmente na mesma temporada.

Já joguei em mais de dez clubes no Brasil e nunca tive participação em nada disso. Só que às vezes você tem contato com pessoas que fazem, ou tem algo sendo investigado, e você acaba sendo acusado – afirmou.

Jessé também mencionou que foi abordado com propostas de manipulação em 2021, quando defendia o Coruripe, de Alagoas, mas negou a oferta. Atualmente, ele está no College 1975 FC, de Gibraltar, mas só poderá jogar no próximo ano, após a abertura da janela de transferências.

A Federação Finlandesa emitiu uma longa nota à reportagem. Segundo a entidade, desde junho de 2023, o Centro Finlandês de Integridade no Esporte (Fincis) recebeu mais de 40 denúncias de manipulação nas terceira e quarta divisões do futebol local. As suspeitas recaem sobre três clubes: Ilves-Kissat e FC Futura, da terceira divisão, e o Finnkurd, da quarta.

O secretário-geral da Federação, Marco Casagrande, destacou a gravidade das suspeitas:

É extremamente importante que essas suspeitas sejam apuradas com o máximo de cuidado e seriedade, já que é uma situação sem precedentes.

Casagrande revelou que um relatório de 400 páginas está em análise por um comitê disciplinar. Parte do material também foi enviada às autoridades, por meio do Fincis, mas o andamento do processo legal ainda é lento e incerto.

Não há antecedentes conhecidos em casos semelhantes, e, por causa da natureza extensa do material, é difícil prever a duração do processo disciplinar – concluiu.

O caso expõe como jovens atletas brasileiros são aliciados e usados em esquemas fraudulentos, enquanto vivem em condições precárias no exterior. As investigações continuam, prometendo desdobramentos sobre o impacto desse tipo de crime no futebol global.

Veja no portal GE a reportagem completa, incluindo vídeos


Fonte: GE, da Globo


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