Produtores rurais apontam leite importado e juros altos como causas do aumento recorde de pedidos de recuperação judicial.
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Da Redação da Rede Hoje

Um projeto de lei que proíbe a reconstituição de leite em pó importado para venda como leite fluido foi apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) como tentativa de conter a crise do setor. A proposta foi discutida em audiência pública da Comissão de Agropecuária e Agroindústria nesta segunda-feira (10). O Estado registrou 2.273 pedidos de recuperação judicial em 2024, aumento de 61,8% em relação ao ano anterior.

A iniciativa partiu do deputado Antonio Carlos Arantes (PL), inspirado em medida semelhante aprovada no Paraná. O parlamentar defende que o Projeto de Lei (PL) 4.765/25 ajude a reduzir a importação de leite do Mercosul, responsável por derrubar os preços internos. “O preço do leite está baixo por causa da importação do Uruguai e da Argentina”, afirmou o deputado.

O presidente da Comissão de Agropecuária, Raul Belém (Cidadania), destacou fatores que contribuem para o endividamento dos produtores. Ele citou o aumento dos custos de produção, as oscilações de preço, o impacto climático e os juros elevados. Segundo o parlamentar, a elevação dos pedidos de recuperação judicial demonstra que muitos produtores ultrapassaram o limite de endividamento.

Um dos casos citados na audiência foi o do Grupo Patense, de Patos de Minas, que acumula dívida superior a R$ 2 bilhões. O grupo, que atua na fabricação de rações e biocombustíveis, protagoniza a segunda maior recuperação judicial do agronegócio brasileiro.

Endividamento e juros elevados

O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Unaí, Ricardo Almeida, relatou que uma empresa da região enfrenta recuperação judicial de cerca de R$ 700 milhões. Em Paracatu, o valor ultrapassa R$ 1 bilhão. Almeida criticou o Banco do Brasil por impor condições rigorosas para renegociação, com juros próximos de 17% ao ano e alienação fiduciária de propriedades rurais.

A cobrança por renegociações mais justas também foi defendida pelo deputado Dr. Maurício (Novo). Para o presidente da Cemil e da Fecoagro Leite Minas, Vasco Praça Filho, os juros são um dos principais entraves ao setor. “Temos as piores taxas do mundo. Nos Estados Unidos é 3,5% ao ano; aqui chega a 20%”, disse.

Além dos juros, produtores voltaram suas críticas à importação de leite em pó. Vasco Filho afirmou que o Brasil está importando cerca de 210 milhões de litros por mês, o equivalente à produção conjunta das empresas Italac e Piracanjuba. A concorrência, segundo ele, tem afetado a sustentabilidade do produtor nacional.

A analista de Agronegócios da Faemg, Mariana Mendes, acrescentou que Argentina e Uruguai vendem leite ao Brasil por valores inferiores aos praticados em seus próprios mercados, configurando dumping. Apesar disso, o governo brasileiro ainda não reagiu à prática.

Propostas e gargalos estruturais

Outra preocupação apresentada na audiência foi o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Vasco Filho afirmou que as cooperativas da Cemil pagarão R$ 11 milhões a mais em tributos em 2026. Já o deputado Raul Belém defendeu que o Estado crie linhas de crédito emergenciais e amplie o seguro rural para reduzir os impactos financeiros sobre o produtor.

A presidente da Irriganor, Rowena Betina Pettrol, destacou gargalos logísticos e estruturais no Noroeste de Minas. Ela citou estradas sem pavimentação, fornecimento irregular de energia elétrica e lentidão nos processos ambientais. Segundo Rowena, servidores da Secretaria de Meio Ambiente estão em greve há dois meses, paralisando licenciamentos.

Rowena defendeu o projeto do deputado Gustavo Santana (PL), que dispensa produtores com áreas superiores a mil hectares de apresentar EIA-Rima em determinados empreendimentos. A gestora afirmou que a burocracia ambiental tem atrasado investimentos importantes para o agronegócio mineiro.

A deputada Lud Falcão (Pode) criticou a perda de renda dos produtores, mesmo com safra recorde. Segundo ela, a produção nacional de grãos deve atingir 350 mil toneladas em 2025, mas a lucratividade diminuiu. “A cada R$ 3,00, R$ 1 é gasto com impostos”, disse.


Comissão de Agropecuária da ALMG debateu o endividamento dos produtores rurais em Minas Gerais. Foto: Daniel Protzner / ALMG
Dados e encaminhamentos

Lud Falcão sugeriu políticas públicas de incentivo ao consumo de leite e propôs ressarcimento a produtores que tiveram perdas por falta de energia elétrica. Ela também pediu a construção de novas subestações no Alto Paranaíba e Noroeste de Minas.

O superintendente de Inovação da Secretaria de Agricultura, Feliciano Nogueira de Oliveira, afirmou que o setor agropecuário mineiro segue em expansão. Segundo ele, o PIB do agro em Minas cresceu 20% em 2024, alcançando R$ 235 bilhões, superando a indústria mineral.

O assessor institucional do Sistema Ocemg, Geraldo Magela da Silva, destacou a falta de dados confiáveis sobre o setor. Ele informou que Minas possui 199 cooperativas agropecuárias, com 213 mil cooperados e movimentação de R$ 53 bilhões em 2024, sendo 95% pequenos produtores.

Ao final da audiência, o deputado Raul Belém anunciou que pretende se reunir com o vice-presidente Geraldo Alckmin e ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. O objetivo é discutir alternativas para aliviar os encargos financeiros e renegociar condições de crédito mais justas para os produtores rurais mineiros.


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