Produtores, especialistas e lideranças debateram, em audiência na ALMG, estratégias urgentes para coibir a clandestinidade e alavancar o setor, de olho nas exportações.
A Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia debateu a importância da cachaça mineira no cenário turístico e gastronômico do Estado. Arquivo ALMG - Foto: Willian Dias
Da redação da Rede Hoje
“Vai uma cachacinha aí?”. A frase, mais do que uma oferta ou convite, quase uma saudação de boas-vindas, é repetida democraticamente por toda Minas Gerais e faz parte da identidade dos mineiros. E falar do produto por aqui é falar também de turismo e gastronomia, vetores de desenvolvimento econômico intimamente ligados no Estado.
Nessa linha, o combate à clandestinidade, o reforço da fiscalização nos pontos de venda, menos tributação e burocracia para regularização dos produtores, estímulos à exportação com mais valor agregado e a promoção da chamada cachaça de alambique fora do Estado e, inclusive no exterior, foram algumas das estratégias urgentes para o setor citadas na audiência pública, realizada na tarde desta quinta-feira (13/4/23), pela Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Em breve, no dia 21 de maio, será celebrado mais um Dia Estadual da Cachaça Mineira, o que foi lembrado na reunião, que atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Mauro Tramonte (Republicanos).
O parlamentar, que é colecionador do produto, lembrou a importância da cachaça mineira na cadeia de atrativos gastronômicos mineiros, como o café e o queijo. Segundo ele, é a segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil, com 1,4 bilhão de litros por ano, 60% deles produzidos em Minas Gerais, que detém 9 mil dos 25 mil alambiques do Brasil.
“É algo intimamente ligado à história de Minas Gerais, que se tornou até mesmo símbolo da resistência à dominação portuguesa e apoiado pelos membros da Inconfidência Mineira. E atualmente temos cachaças premiadas nacional e internacionalmente e que atraem turistas de todas as regiões do Brasil.”
Bosco (Cidadania), que é vice-presidente da comissão, destacou que Minas Gerais vive um dos melhores momentos da sua história com relação ao turismo. “E não tem como falar em turismo sem falar em nossa gastronomia e inserir nisso o valor da nossa cachaça mineira”, pontuou.
“Quando a gente fala de cachaça estamos falando de mineiridade, de empreendedorismo, de geração de emprego e renda em todas as regiões de Minas Gerais”, afirmou Coronel Henrique (PL), que lembrou que é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária Mineira.
Em vez de pinga genérica, cachaça de alambique
A promoção da cachaça de alambique, segundo gestores presentes na reunião, ocupa posição de destaque na agenda de prioridades do Executivo. A secretária-adjunta de Estado de Cultura e Turismo (Secult), Milena Andrade Pedrosa, lembrou que estão em estágio final os preparativos para transformar a cozinha mineira em patrimônio imaterial e a cachaça mineira estará contemplada.
“Nosso turismo é praticamente cultural. Temos feito diversas ações de promoção da cachaça mineira, mas precisamos avançar mais, sobretudo com relação a mais estímulos à exportação com valor agregado, sem perder qualidade, não somente em quantidade.”
Nesse esforço de promoção do produto, a secretária-adjunta contou ainda que, em recente evento internacional, conseguiu até mesmo entregar uma garrafa da cachaça de alambique diretamente nas mãos do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza.
O próprio termo, cachaça de alambique, em contraposição ao produto clandestino ou fabricado de forma industrial, somente foi garantido em legislação federal após mobilização dos produtores. O próximo passo, segundo informações dos representantes do Executivo, é adaptar a legislação mineira com o mesmo objetivo.
Para o subsecretário de Estado de Turismo, Sérgio de Paula e Silva Júnior, a cachaça mineira, a exemplo do vinho da Serra Gaúcha, pode se transformar num importante instrumento de diversificação do turismo no Estado. “No caso do vinho, o marketing trouxe mais turistas e retorno para os produtores. Em muitos casos, a venda direta para o turista é até mais lucrativa”, destaca.
“O mineiro é diferente e o turista vem aqui atrás disso. Mesmo correndo, o mineiro sempre encontra tempo de sentar e apreciar a comida. O mesmo acontece com a cachaça mineira. Nessas horas lembro do meu avô, que dizia que com cachaça boa você não faz cara feia.”
Segundo o superintendente de Abastecimento e Cooperativismo da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Gilson de Assis Sales, o reforço na fiscalização têm produzido efeitos na regularização de cada vez mais produtores, o que também permitirá o estímulo ao consumo consciente.
“Se formos pensar em números, um em cada três produtores brasileiros é mineiro. São 353 produtores registrados no Ministério da Agricultura, mais do que dobro de São Paulo, e a grande maioria deles de cachaça de alambique”, apontou Gilson Sales.
Vinho da Serra Gaúcha e tequila mexicana são exemplos
Além do vinho da Serra Gaúcha, a tequila mexicana foi citada pelo presidente do Centro Brasileiro de Referência da Cachaça e da Expocachaça e Brasilbier, José Lúcio Mendes Ferreira, como exemplo a ser seguido internacionalmente.
Segundo ele, o aumento recente de 42% nas exportações da cachaça nacional representam um faturamento total de apenas US$ 20 milhões anuais, contra US$ 4 bilhões da tequila.
O problema aí é o baixo valor agregado, que se reflete no valor médio do litro exportado, de US$ 2 da cachaça contra até US$ 16 da tequila. Segundo o especialista, parte da cachaça mineira é exportado até sem garrafa para ser envasado no país de destino e revendido. O resultado disso é que, há mais de 20 anos, o produto nacional está estagnado entre 0,5% e 1% das exportações do setor.
José Ferreira, presidente do Centro Brasileiro de Referência da Cachaça, diz que "no México, a iniciativa privada trabalhou junto com governo para conseguir mudar o cenário num mercado em que o custo de produção é elevado e a competição muito forte. Em Minas, por exemplo, já tivemos 25 cooperativas de produtores que hoje não existem mais. Mas há esperança porque nosso produto é altamente aceito pelo mercado.”
Na mesma linha, o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cachaça de Alambique (Anpaq), Roger Sejas Gusman Júnior, defendeu o cerco aos produtores clandestinos e o estímulo à regularização como caminho a ser seguido para fortalecimento imediato do setor.
De acordo com ele, os 353 produtores mineiros registrados no Ministério da Agricultura, 37% do total nacional, já representam aproximadamente 2,8 mil marcas, já que um fabricante pode deter várias delas ou mesmo fabricar cachaças “ciganas” (sem infraestrutura fixa de produção).
“Nada contra o pequeno produtor, mas promover a cachaça mineira envolve levar a bandeira do nosso Estado. A artesanalidade precisa levar em conta a qualidade e um único evento adverso pode por tudo a perder para todo o setor”, alertou, em referência a episódio recente como uma fábrica de cerveja artesanal no Estado.
Álcool em caminhão-pipa e pet vendido a R$ 6
Há até um aplicativo para celulares, o “Cachaça Ilegal”, em que o consumidor pode denunciar diretamente para o Instituto Mineiro de Agropecuária a venda clandestina do produto. Proprietário da Distribuidora Savana, uma das maiores na comercialização de cachaça do País, Oswaldo Bernardino Júnior, denuncia remessas ilegais de álcool para o interior mineiro.
“Estão usando até caminhão-pipa para trazer o produto refugo de São Paulo para Minas Gerais. Levam para cidades com tradição como Salinas (Noroeste), misturam, engarrafam e vendem como cachaça de lá. Isso tem que acabar”, contou.
Segundo ele, na outra ponta, contribui para isso a venda indiscriminada do produto clandestino por todo tipo de estabelecimento, de biroscas até estabelecimentos de renome.
A clandestinidade é o verdadeiro gargalo do comércio da cachaça. E isso não é privilégio de boteco copo sujo, tem até ótimos estabelecimentos e às vezes a bebida leva até o nome da casa. Muitos compram o produto numa embalagem PET por R$ 6 enquanto quem é legalizado é penalizado com uma alta carga tributária. Por menos de R$ 20 o litro, dificilmente é produto legal”, avalia o empresário.
Fonte: Comunicação da ALMG