Hoje, Patrocínio tem suas companhias de teatro. Arve’Luz Teatro e Poesia, Cia Máxima de Teatro, CIA. Sonhos Teatrais, Cia Borboletas no Aquário, Grupo de Teatro Sónois, Coletivo Recomendado, só que me lembro. São respeitados, ganhadores de prêmios e só não são inteiramente profissionais porque os atores, diretores e técnicos têm outras atividades. O maior nome do teatro em Patrocínio é Flávio Arvelos, ninguém contesta isso. Mas existem outras dezenas de pessoas, formadas pelo Flávio, ou não, ligadas as artes cênicas na cidade. E as artes cênicas sempre foram uma das características do patrocinense.

No primeiro ano da década de 1960, tenho apenas seis anos. Em Patrocínio, duas coisas fervilham: o cinema e o teatro (bem menos frequente). Também pudera, são as únicas fontes de lazer da cidade para quem não gosta de futebol – os adeptos do esporte ainda têm o Patrocínio Esporte, semiprofissional, para ver.

Na ocasião, todos os cinemas têm “teatro” também na denominação porque, além da tela, possuem grandes palcos e até coxia (bastidores, o lugar fora do palco em que o elenco aguarda sua deixa para entrar em cena). É o caso do Cine “Teatro” Rosário e, depois, do Cine “Teatro” Patrocínio. Ali, de vez em quando, são apresentadas peças, montadas por companhias vindas de outras regiões. É mais frequente a apresentação dos artistas locais.


Segundo o grande locutor sertanejo, Humberto Côrtes, certo dia a cidade vai viver um desses seus grandes momentos. A apresentação de uma peça dos atores locais. Os artistas são professores, gente do comércio, jornalistas, entre outros.

Quase sempre, o rádio (que na época tem os artistas próprios, que se apresentam no radioteatro) fornece o maior número de artistas e figurantes. O Humberto Côrtes é um deles. O Assis Filho, brilhante locutor esportivo, cantor e artista, é outro.

O Cine Teatro Rosário está lotado. Todos os 500 lugares ocupados. O burburinho do público abrindo as cadeiras, conversando, deixa qualquer ator nervoso. Imagine quem vai entrar no palco pela primeira vez? É o caso do Humberto Côrtes.

Começa o espetáculo. Cena vai, cena vem, e o Humberto na coxia, esperando sua hora de entrar. Lá pelas tantas, para aumentar seu nervosismo, falta algo fundamental no palco. A cena é do experiente e tranquilo Assis Filho, que faz o papel de um marido traído. O texto da peça manda que a pessoa que seria sua mulher na representação, tenha uma carta nas mãos, diga:

—Nossa, meu marido não pode nem sonhar que recebi uma carta do Alfredo. Tenho que queimá-la!
E põe fogo na carta.
O problema é que o contrarregra se esqueceu de colocar a caixa de fósforos ou o isqueiro no palco. Então, sem outra saída, a atriz rasga a suposta carta. O Assis entra no palco, como se estivesse entrando na sala do casal, vê a expressão da mulher, olha para os lados e deveria dizer:

—Nossa! Que cheiro de papel queimado!
Mas, quando entra no palco, faz todo aquele drama e não vê papel queimado, Assis acha a solução na criatividade, e diz:
- Nossa! Que cheiro de papel... rasgado!
Ninguém desconfia. O Assis volta para a coxia e reclama:
—Gente, me deixaram numa fria, tive que improvisar.
E é nesse momento que Humberto Côrtes vai entrar em cena. Ele olha por uma abertura da cortina e vê todo aquele movimento. Os parentes de toda a região, convidados para ver sua “performance”, ansiosos.
Ele pensa: - Tô perdido! Mas entra em cena.
Humberto faz o papel de um garçom que entra naquela sala de clima pesado, com uma bandeja de chocolates, e oferece à moça. Sua fala:
—Chocolates, senhorita?
Ele entra em cena, caminha trêmulo até a atriz e solta:
—Chocolita, senhorate?
Foi sua primeira e última atuação como ator de teatro. Daí pra frente, só atrás do microfone.

Crônica integrante do meu quinto livro — segundo da série — "O Som da Memória, A Volta", lançamento breve

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