Juiz do Rio de Janeiro considerou improcedente a denúncia por incêndio culposo e lesão grave; decisão cabe recurso do Ministério Público
Foto: Arquivo RBS

As vítimas do incêndio foram: Athila Paixão, Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, Bernardo Pisetta, Christian Esmério, Gedson Santos, Jorge Eduardo Santos, Pablo Henrique da Silva Matos, Rykelmo de Souza Vianna, Samuel Thomas Rosa e Vitor Isaías.

Da Redação da Rede Hoje

Seis anos após a tragédia no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, a Justiça do Rio de Janeiro absolveu, em primeira instância, os sete réus acusados pelo incêndio que matou dez jovens atletas da base do clube e deixou três feridos. O episódio, ocorrido em fevereiro de 2019, marcou uma das maiores tragédias do esporte brasileiro. A decisão foi proferida pelo juiz Tiago Fernandes Barros, da 36ª Vara Criminal, e ainda cabe recurso.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro havia pedido a condenação dos acusados pelos crimes de incêndio culposo e lesão corporal grave. A Promotoria informou que recorrerá da sentença, considerada improcedente pelo magistrado. Segundo a decisão, as provas apresentadas não foram suficientes para individualizar responsabilidades penais entre os envolvidos.

Entre os absolvidos estão Márcio Garotti, ex-diretor financeiro do Flamengo; Marcelo Maia de Sá, ex-diretor adjunto de patrimônio; os engenheiros Danilo Duarte, Fabio Hilário da Silva e Weslley Gimenes; Cláudia Pereira Rodrigues, responsável por contratos da empresa NHJ; e Edson Colman, sócio da empresa que fazia manutenção em aparelhos de ar-condicionado.

O juiz entendeu que as condutas atribuídas aos réus não configuraram culpa penal. Em sua decisão, afirmou que “a cadeia causal apresenta natureza difusa, envolvendo múltiplos fatores técnicos e estruturais, o que inviabiliza a individualização de conduta culposa com relevância penal”. O magistrado ressaltou ainda que o Direito Penal não deve transformar “complexidade sistêmica em culpa individual”.

Argumentos da decisão

De acordo com a sentença, de 227 páginas, os engenheiros e gestores do clube não possuíam responsabilidades diretas sobre a segurança elétrica e estrutural dos contêineres que serviam de alojamento aos atletas. As defesas alegaram que cabia ao Flamengo e às empresas contratadas a manutenção e certificação técnica dos equipamentos.

O ex-diretor financeiro Márcio Garotti argumentou que não tinha competência técnica para supervisionar questões elétricas, limitando-se à gestão de recursos. Já o engenheiro Danilo Duarte afirmou que suas funções eram administrativas, sem poder de decisão sobre materiais ou projetos de segurança. A mesma linha foi seguida pela defesa de Cláudia Rodrigues, cuja participação foi restrita à assinatura de contratos.

Em relação a Edson Colman, responsável pela manutenção dos aparelhos de ar-condicionado, o juiz destacou “insuficiência de provas e dúvidas incontornáveis quanto à origem da ignição”. O incêndio teria começado, segundo laudos periciais, em um curto-circuito no sistema elétrico de um dos equipamentos.

A decisão judicial isenta os acusados, mas reconhece a gravidade da tragédia. O juiz ressaltou que “essa constatação não elimina a tragédia dos fatos”, frisando o caráter técnico da absolvição. O Ministério Público pretende recorrer para que o caso seja analisado em instâncias superiores.

Tragédia e consequências

Na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, um incêndio destruiu o alojamento das categorias de base do Flamengo, onde dormiam 26 adolescentes. Dez jovens morreram e três ficaram feridos. As vítimas tinham entre 14 e 16 anos. A estrutura improvisada era composta por contêineres metálicos, e o fogo se alastrou rapidamente devido ao material inflamável.

Na época, o centro de treinamento não possuía alvará de funcionamento. A suspeita inicial era de que um ar-condicionado, ligado continuamente, tenha provocado o curto-circuito. O caso teve ampla repercussão nacional e internacional, levantando questionamentos sobre a segurança e as condições de alojamento de atletas de base no Brasil.

Durante o processo, que começou em 2021, mais de 40 testemunhas foram ouvidas. As audiências tiveram início em agosto de 2023 e se estenderam até o final de 2024. Entre os depoentes estavam ex-dirigentes do Flamengo e sobreviventes da tragédia. Inicialmente, 11 pessoas haviam sido denunciadas, mas parte delas teve as acusações rejeitadas ou prescritas.

Em fevereiro de 2025, o Flamengo celebrou acordo com a última família que ainda não havia sido indenizada — a do goleiro Christian Esmério, de 15 anos, uma das vítimas fatais. Ao todo, o clube firmou 10 acordos de indenização entre 2019 e 2021, encerrando a parte cível dos processos.

Vítimas e memória

As vítimas do incêndio foram: Athila Paixão, Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, Bernardo Pisetta, Christian Esmério, Gedson Santos, Jorge Eduardo Santos, Pablo Henrique da Silva Matos, Rykelmo de Souza Vianna, Samuel Thomas Rosa e Vitor Isaías. Todos faziam parte das divisões de base e sonhavam em se tornar jogadores profissionais.

A decisão de absolvição reacende o debate sobre a responsabilização por tragédias esportivas e a necessidade de maior rigor nas normas de segurança de centros de treinamento. Para familiares das vítimas, o sentimento é de frustração e inconformismo.

O caso, no entanto, ainda não chegou ao fim. Com o recurso do Ministério Público, o processo deve seguir para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que decidirá se a sentença será mantida ou reformada. Até lá, segue a lembrança de uma tragédia que marcou o futebol brasileiro e cobrou a vida de dez jovens promessas.


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