Servidores da Empresa Mineira de Comunicação relatam censura, assédio e aparelhamento da Rádio Inconfidência e TV Minas em favor do governo Romeu Zema.
Servidores da Empresa Mineira de Comunicação, com Waleska Falci (em primeiro plano), relataram problemas que estariam ocorrendo desde 2019. Foto: Guilherme Bergamini
Da Redação da Rede Hoje
A Empresa Mineira de Comunicação (EMC), que administra a Rádio Inconfidência e a TV Minas, está no centro de uma grave controvérsia. Jornalistas e servidores efetivos das emissoras compareceram à Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para denunciar o suposto uso político da mídia pública pelo atual governo do estado, comandado por Romeu Zema (Novo). As acusações incluem censura de pautas, assédio moral, transferências estratégicas de funcionários e a veiculação de programas que beneficiam o partido e a gestão do governador.
As denúncias apontam que a interferência política nas atividades da TV Minas e da Rádio Inconfidência teria se intensificado a partir de 2019, coincidindo com o início do primeiro mandato de Zema. Deputados de oposição, que pautaram a audiência, indicaram que os ataques aos servidores efetivos e a promoção de pautas elogiosas à administração são parte de uma estratégia de aparelhamento político das emissoras. A estabilidade dos concursados é vista como um obstáculo à manipulação, o que explicaria as ações de perseguição e assédio.
Para a presidente do Sindicato dos Jornalistas, Lina Patrícia Laredo, um dos primeiros movimentos para fragilizar a resistência dos servidores foi o desmonte dos concursos públicos. Ela informou aos deputados que a EMC ajuizou uma ação para derrubar uma liminar que, desde 2004, proíbe a contratação de mão de obra terceirizada para as atividades-fim de produção de conteúdo. Embora essa ação ainda não tenha sido julgada, a representante sindical denunciou a presença de contratados em cargos fictícios que, na prática, estariam atuando diretamente na produção editorial.
Ainda no início da gestão Zema, segundo Lina Laredo, a EMC implementou um Programa de Demissão Voluntária (PDV) e, posteriormente, houve demissões arbitrárias de funcionários. Essa política resultou na diminuição do número de servidores efetivos no quadro da empresa, profissionais que, devido à sua estabilidade, possuem maior autonomia para resistir às pressões e ingerências políticas na pauta. Os servidores que permaneceram, de acordo com o sindicato, estariam submetidos a um ambiente de assédio e perseguição constante, resultando em adoecimento e pedidos de cessão para outros órgãos públicos.
Assédio e Censura como Ferramentas de Controle
A jornalista Waleska Falci, por sua vez, compartilhou seu relato pessoal como vítima do assédio no ambiente de trabalho, o que a levou a um quadro de adoecimento mental e a um afastamento de oito meses das atividades. Ao retornar, ela foi destituída dos cinco programas que apresentava, restando-lhe apenas um programa veiculado na madrugada. A jornalista afirmou que esta situação a mantém ociosa durante grande parte do seu tempo de trabalho, indicando um possível esvaziamento de suas funções.
A redução de servidores estáveis e o aumento do assédio teriam sido acompanhados pelo crescimento da interferência política direta na programação das emissoras. A servidora Brenda Marques Pena revelou que sugestões de pautas chegam à redação diretamente do governo estadual. Essas sugestões viriam, muitas vezes, com recomendações explícitas de fontes a serem ouvidas e enquadramentos narrativos que visam beneficiar o Partido Novo e a gestão do governador Romeu Zema.
Deputados de oposição indicam uso político das emissoras pelo atual governo do Estado. Foto: Guilherme Bergamini
Complementando a colega, a servidora Márcia Helena Bueno classificou algumas dessas produções como "pautas publicitárias não pagas", destacando a ausência de contraditório na maioria dos conteúdos exibidos. O problema, segundo ela, é a falta de equilíbrio na cobertura e a censura imposta a assuntos considerados prejudiciais ao governo, como reportagens sobre rebeliões ocorridas em unidades prisionais do estado, que acabam sendo ignoradas pela programação.
Esvaziamento de Órgãos de Fiscalização Interna, os funcionários denunciam um esvaziamento intencional dos conselhos e das comissões que, legalmente, deveriam fiscalizar e atuar na melhoria técnica da programação. Waleska Falci, que foi presidente da Comissão Editorial entre 2023 e 2024, relatou que este colegiado, antes responsável por avaliar as propostas de novos programas e colunas com base em critérios estritamente técnicos, simplesmente parou de receber novas pautas, sendo congelado por falta de atividades.
Ainda de acordo com a jornalista, que também participou do Conselho Curador, este órgão de fiscalização teve pouquíssimas reuniões nos últimos tempos. Os encontros que foram realizados não tiveram suas informações publicizadas, contrariando as exigências de transparência. A última ata desse conselho que foi publicada e disponibilizada ao público remonta ao ano de 2023, o que levanta suspeitas sobre a paralisação ou a opacidade dos trabalhos de fiscalização interna.
O deputado Professor Cleiton (PV), autor do requerimento da reunião, relembrou um fato que, para a oposição, facilitou as interferências. As tradicionais emissoras, a Rádio Inconfidência, fundada em 1936, e a TV Minas, de 1984, foram transferidas da gestão da Secretaria de Cultura e Turismo para a Secretaria de Comunicação durante a reforma administrativa promovida pelo governo Zema em 2023, o que teria fortalecido a capacidade de controle político.
Dirigentes Refutam e Oposição Pede Investigação
Em resposta às acusações, os dirigentes da EMC negaram qualquer interferência política. Luciano Correia Gonçalves, diretor-geral, e Gustavo Mendicino, presidente, defenderam a qualidade e o amplo alcance da programação, afirmando que o sinal das emissoras hoje chega a mais de 600 municípios mineiros, um aumento de mais de 400% em relação a anos anteriores. Mendicino buscou descredibilizar a denúncia de excesso de terceirização, informando que a EMC conta com 250 funcionários, dos quais apenas 89 seriam terceirizados.
O presidente da EMC afirmou também que as emissoras realizam coberturas de temas de interesse da oposição, citando as recentes visitas do presidente Lula ao estado. Luciano Gonçalves reforçou essa linha de defesa, garantindo que os profissionais da EMC possuem plena liberdade editorial. Ele citou ainda que a empresa é fiscalizada por órgãos externos, como a ouvidoria, e que não há denúncias registradas nesta instância, e reiterou que os conselhos e comitês de fiscalização estão em pleno funcionamento.
Contudo, a oposição política rebateu as defesas. O deputado Doutor Jean Freire (PT) apresentou elementos que, em sua visão, ironizam a negativa de interferência, mencionando a troca dos microfones que antes exibiam a marca da TV Minas por outros na cor laranja, associada diretamente ao Partido Novo. Ele e o deputado Leleco Pimentel (PT) sugeriram a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na ALMG e a representação junto ao Tribunal Eleitoral para que o suposto uso da máquina pública em benefício do Partido Novo seja devidamente investigado e avaliado.