Áudio incitando uso de armas contra fiscais em lavouras de café e discurso incentivando violência no campo são divulgados em reunião.

Chacina de Unaí também foi lembrada em reunião, em que concurso para auditores e pedido de CPI sobre situação nas lavouras foram destaques. Foto: Guilherme Dardanhan

Da redação da Rede Hoje*

Minas Gerais lidera a “Lista suja” do governo federal referente ao trabalho análogo à escravidão e enfrenta uma escassez crítica de auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego. Com apenas 225 servidores para cobrir 853 municípios, a proporção é de aproximadamente um fiscal para cada quatro cidades.

Os poucos fiscais disponíveis ainda lidam com ameaças de empregadores. Há dois anos, o Comitrate (Comitê Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Apátrida, Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Erradicação do Trabalho Escravo) está paralisado, como foi apontado em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (3/7/24).

A audiência, realizada na Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, foi solicitada pelos deputados Betão e Leleco Pimentel, ambos do PT. A reunião discutiu dois recentes incidentes no Sul de Minas. Em maio, um áudio com ameaças contra fiscais em lavouras de café circulou. No mês passado, trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em fazendas de café, incluindo em Nova Resende.

Os deputados mencionaram a chacina de Unaí, ocorrida há 20 anos, onde auditores que combatiam o trabalho escravo foram assassinados. O áudio recente, atribuído a um produtor, incitava violência contra fiscais.

Segundo Carlos Calazans, superintendente regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais, a Polícia Federal está investigando as ameaças, incluindo a possibilidade de uma ação orquestrada. O autor da mensagem foi identificado e seu celular apreendido para perícia.

Calazans destacou a retomada do concurso público com 900 vagas para auditor fiscal do Trabalho, interrompido devido à enchente no Rio Grande do Sul. No entanto, ele defendeu que o combate ao trabalho escravo requer uma abordagem mais ampla, envolvendo o Ministério Público, a Polícia Federal e a sociedade como um todo.

Ele lamentou a paralisação do Comitrate e mencionou um decreto do governador Romeu Zema, de 7 de maio, que retirou o poder de voto do Ministério do Trabalho no conselho. Calazans anunciou a criação de um comitê alternativo com direito a voz e voto, se a situação não for revisada.

Na audiência, foi relatado que, em uma semana, sete empregadores dedicados ao cultivo de café no Sul de Minas foram vistoriados, com três casos caracterizados como trabalho análogo à escravidão. Em 2023, cerca de 670 trabalhadores foram resgatados, 324 deles no cultivo de café.

Os participantes defenderam a responsabilização de grandes empresas que utilizam café de fazendas com práticas análogas à escravidão. Jorge Ferreira dos Santos Filho, coordenador-geral da Adere/MG e integrante da CUT, cobrou a regulamentação da Emenda Constitucional 81, de 2014, sobre a expropriação de propriedades onde haja exploração de trabalho escravo.

Lívia Miraglia, coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG, apontou que em 11 anos, quase 700 relatórios de auditores-fiscais revelaram condições degradantes em metade dos casos, especialmente em carvoarias e cafeicultura.

A procuradora do Trabalho em Varginha, Melina Schulze, criticou empregadores que alegam não poder cumprir a legislação trabalhista. Mariana Bicalho Silveira, superintendente de Promoção, Proteção e Participação Social da Subsecretaria de Direitos Humanos, mencionou programas de proteção para defensores e testemunhas ameaçadas.

O deputado Antonio Carlos Arantes (PL) sugeriu a criação de contratos temporários para colheitas, mas Leleco Pimentel rebateu, afirmando que o contrato de safra já é uma forma de contrato temporário e criticou a relativização do trabalho escravo no país. Pimentel e Betão também criticaram o deputado federal Emidinho Madeira (PL-MG), de Nova Resende, por questionar a abordagem das equipes de fiscalização.


*Rede Hoje usou na reportagem material divulgado pela assessoria de comunicação da Assembleia Legislativa de Minas


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