Há quase 50 anos esperamos este momento, sabendo que ele retornaria. Ele voltou, e desta vez não haverá mais bombas que consigam nos parar

                      

Peço licença para escrever pela primeira vez na primeira pessoa do singular, peço desculpas sem saber muito bem porque esse procedimento se impôs no assunto em questão. Mas chega um momento da vida que se começa a confiar no que não se tem clareza, um pouco como quem aceita esse espírito que um dia Pascal descreveu como uma mistura de incapacidade de, ao mesmo tempo, provar totalmente e abandonar completamente algo.

Eu nasci no Chile, meses antes do golpe de Estado que derrubaria Salvador Allende e implantaria não apenas uma das ditaduras mais sanguinárias em um continente onde nunca faltou sangue correndo nas ruas, mas o primeiro laboratório mundial para um conjunto de políticas econômicas, conhecidas como neoliberalismo, que trariam concentração de renda e morte econômica para populações em todo o globo. Esse modo de gestão social, que se vende como defensor de liberdades e da autonomia individual começou com golpe de Estado, desaparecimento de cadáveres, mãos cortadas e estupro. O que diz algo a respeito de sua verdadeira essência autoritária.

Minha mãe costumava dizer que nos meses em que ela começava a se descobrir como uma jovem mãe de 24 anos era comum ouvir bombas explodindo e tiros nas ruas. Eram os últimos meses do governo de Salvador Allende. Meu pai, que tinha a mesma idade, havia participado da luta armada contra a ditadura brasileira no grupo de Marighella e havia preferido tentar ajudar, de qualquer forma que fosse, a experiência socialista de Allende a aceitar a proposta de sua família e terminar os estudos na Inglaterra. Impotentes, como escoteiros que observam uma floresta em chamas, eles começavam suas vidas adultas com um filho e uma catástrofe.

O governo de Salvador Allende era apunhalado por todos os lados. Vítima de lockouts financiados por Ricahrd Nixon e seu macabro braço direito Henry Kissinger, depois louvado como “grande estrategista” por ter conseguido um aperto de mão entre seu presidente e Mao-Tse Tung enquanto mandava o povo chileno para um inferno de 25 anos. Allende parecia uma figura trágica grega. Se o Chile desse certo, o único país na história em que um programa marxista de transformação social havia sido implementado pelo voto e respeitando as regras da democracia liberal mostraria uma via irresistível em um momento histórico no qual estudantes e operários lideravam insurreições em vários países centrais do capitalismo global. O Chile era o ponto frágil da Guerra Fria, pois ensaiava um futuro que havia sido negado em várias outras ocasiões. Nele se tentava pela primeira vez um socialismo radical que recusava a via da militarização do processo político.

Em agosto de 1973 as ruas do Chile viram o primeiro ensaio do golpe que viria em 11 de setembro. Allende pede poderes especiais ao Congresso para debelar a crise. O Congresso recusa. Eles queriam o golpe. Já nas eleições de março de 1973, quando se esperava que a direita tivesse 2/3 para derrubar o presidente, o contrário aconteceu, a Unidade Popular cresceu e alcançou 44% dos votos. A única saída seria o golpe e minha mãe continuaria a ouvir bombas e tiros vindos das ruas até o último dia que estivesse no Chile.

Então veio o golpe e fugimos do país. Durante trinta anos, não tive coragem de voltar. Em casa, havia um livro com a foto do Palacio de La Moneda em chamas. Cresci com aquela foto acompanhando-me, como se ela anunciasse que, por mais que tentássemos, as bombas voltariam. Como se nosso futuro fosse nos bater contra uma força brutal, com a idade do fogo que queimava aldeias indígenas colonizadas e que termina em discursos de presidentes prestes a morrer que ainda encontram força para nos lembrar que um dia haveria grandes alamedas na qual veríamos mulheres e homens enfim rompendo as correntes de sua própria espoliação. Assim, quando no Brasil, os mesmos contra os quais tínhamos lutado voltaram, nada daquilo realmente me surpreendia.

Como disse, acabei por voltar trinta anos depois. A primeira coisa que fiz foi ir a nossa antiga casa, na calle Monseñor Eyzaguirre. Quando cheguei, a casa havia sido demolida três meses antes. Havia apenas ruínas. Durante duas horas eu fiquei parado olhando as ruínas. Não lembro mais o que pensei, nem lembro se efetivamente pensei em algo. Poderia falar agora alguma bobagem sobre Walter Benjamin, ruínas, história, mas seria intelectualmente desonesto e gostaria de, ao menos nesse momento, mesmo sendo professor de filosofia, ter certa decência de pensamento. Só lembro da paralisia, do silêncio e do vento.

Mas depois desse momento, achei uma maneira de fazer amigos nas Universidades e começar a ser convidado para voltar. Em uma dessas voltas, o ano era 2006, lembro de perguntar se eles acreditavam que alguma coisa podia acontecer no Chile. A resposta era taxativa: não. A ditadura havia naturalizado de forma tal os princípios de empreendedorismo, individualismo e concorrência que aquela geração sequer lembrava do que o “Chile” um dia havia representado para o resto do mundo. O assassinato havia sido perfeito e as explicações faziam sentido.

Bem, dois meses depois 500.000 estudantes estavam nas ruas, naquilo que ficou conhecido como “A revolta dos pinguins”. Os estudantes lutavam bravamente contra os “pacos” pelo fim do neoliberalismo e seu discurso hipócrita de meritocracia, de liberdade como direto de escolher a melhor maneira de ser espoliado e exigiam o retorno de educação universal e gratuita. Como sempre ocorre, o que realmente conta nos pega de surpresa.

Anos depois, em 2011, um tunisiano se imolou em uma pequena cidade da Tunísia e desencadeou uma série de revoltas que entrou par a história como A Primavera Árabe. Para mim, era claro. Algo recomeçava e não era o fogo das bombas que caiam sobre La Moneda. Era o fogo de quem prefere ver seu corpo queimando a se submeter novamente à servidão. Eu fui para a Tunísia, para o Egito e voltei entendendo que seria extinto e aceso ainda muitas vezes. O que não faria diferença alguma. Nós não nos desmobilizaríamos mais diante de sua primeira extinção porque nosso tempo não é composto de instantes, mas de durações.

Então, em 2019, ele começou novamente a queimar o Chile. Enquanto o governo atirava contra sua própria população, matando mais de 40 pessoas, e cegando de ao menos uma vista mais de 300, enquanto os carabineros tentavam parar a raiva de um povo que havia sido o objeto mundial das piores experiências econômicas e políticas, o fogo queimava, as estátuas de antigos conquistadores queimavam.

E, contra tudo o que está escrito nos livros e que nos é ensinados nos jornais, nós vencemos. Contra os que procuram nos inocular o veneno da descrença, nós vencemos. O governo Sebastián Piñera fora obrigado a dobrar seus joelhos diante da soberania popular em fúria. Ele precisou convocar uma nova Assembleia Constituinte. Aquela loucura tipicamente chilena de quebrar as estruturas respeitando as regras havia produzido uma das mais improváveis vitórias políticas que uma sublevação popular havia conseguido na história recente do mundo. Eles conseguiram implantar um processo constitucional que entraria para a história como o primeiro processo paritário e presidido por alguém que abriu os trabalhos constitucionais falando a língua de quem havia sido historicamente destruído e dizimado pelos colonizadores, a saber, os mapuches.

Bem, mas nessas horas de entusiasmo alguém também deveria lembrar do livro 18 de brumário, de Karl Marx. Com os olhos na revolução de 1848, Marx queria entender como uma revolução proletária acabava por terminar em uma reinstauração da monarquia. Com quase um século de avanço, Marx fornecia as bases de uma teoria do fascismo como o último freio de mão do liberalismo. Pois ele insistia que toda insurreição popular é acompanhada da emergência de uma força de regressão social. Há quem não se sente mais concernido pelas formas de reprodução social da vida até agora hegemônica, mas há quem entenderá que o retorno à “paz e à segurança” exige outra forma de ruptura com o presente, essa que reinstaura as mesmas forças no poder em sua versão mais abertamente violenta. Sempre lá onde uma revolução molecular se desenha, há uma contrarrevolução molecular à espreita. Quem abre as portas da indeterminação deve saber lidar com todas as figuras da negação.

E no meio do processo constitucional havia uma eleição presidencial na qual, no primeiro turno, ganhou um candidato fascista. Esse termo foi tão usado que esquecemos quando ele é analiticamente adequado. José Antonio Kast é analiticamente um fascista, como Bolsonaro. É claro que sempre haverá aqueles que, animados por um discurso pretensamente desapaixonado, dirão: “Não se trata de um fascista, mas de um conservador”, “ele às vezes passa dos limites, mas pode ser controlado”, “Sim, ele disse algumas coisas inaceitáveis, mas depois ele recua”. Claro, porque o recuo é só uma maneira de acostumar a sociedade com as “coisas inaceitáveis”, até elas começarem a parecer parte da paisagem e serem aceitas.

Em um continente onde Prêmios Nobel de Literatura não veem problema algum em apoiar filhas de ditadores que, mais uma vez, conspiram contra governos eleitos, sempre haverá alguém a dizer: “veja bem, não é bem assim”. Hoje, no Chile, todo o dia aparece algum “analista” para sair com alguma descrição “técnica” sobre como Kast não representa o fascismo. Nós vimos a mesma coisa com Bolsonaro. Fomos ridicularizados por “analistas” durante anos quando dizíamos que tecnicamente, alguém cujo discurso é marcado pelo culto da violência, pelo militarismo, pela indiferença absoluta em relação a grupos vulneráveis, por uma concepção paranóica de Estado que mobiliza a imigração e a identidade com fenômeno de angústia social, alguém que desrecalca o passado criminoso de ditaduras militares, que visa paralisar o processo de institucionalização da soberania popular só tem um nome: fascista. E contra ele, as sociedades não têm o direito a contemporização.

O programa de Kast é um programa de guerra, como o de Bolsonaro. Trata-se de puxar o freio de mão do liberalismo econômico e desrecalcar todas as forças que podem modificar os corpos até fazê-los glorificarem ditaduras. Kast foi o primeiro líder estrangeiro a parabenizar Bolsonaro por sua vitória. Se Kast ganhar, constitui-se um eixo latino-americano cujos polos serão o Chile e o Brasil. Esse eixo reforça as posições reacionárias como nunca antes.

Quando Bolsonaro venceu, podíamos ouvir sempre aqueles que diziam que o poder iria “civilizá-lo”, que tudo aquilo era “discurso eleitoral”, que a realidade do governo era outra, com suas negociações incessantes. O que mais me impressiona é como essas pessoas conseguem preservar seus empregos. Ou melhor, não, nada disso efetivamente me impressiona há tempos. Fake news sempre foi a regra. Quem reclama hoje, na verdade reclama da perda de um monopólio de produção, não mais que isso.

Por toda a história que ressoa neste momento presente, não é difícil perceber que o que está em jogo no Chile não é apenas uma eleição. É a capacidade de terminar com uma história de derrotas e abrir uma nova sequência de lutas, com novos sujeitos políticos. Quando, em 1780, José Gabriel Condorcanqui liderou a maior revolta indígena que este continente conheceu, sua inteligência lhe fez compreender que a primeira condição para a vitória era livrar o passado de sua melancolia.

Ao liderar a revolta que atravessou o que hoje é o Peru e a Bolívia, ele se chamou Tupac Amaru II não por “messianismo” ou por qualquer coisa que acadêmicos gostam de usar para desqualificar a força popular da revolta. Ele fez isso por entender que as verdadeiras lutas começam por inverter as derrotas do passado, que seria necessário trazer o nome do rei inca que havia sido morto pelos espanhóis no momento em que se inaugurava a servidão. Tirar esse nome da sombra traumática da derrota. Seria necessário recolocá-lo na frente de batalha para calar as lágrimas diante da destruição. “Voltarei e serei milhões”, como dizia Tupac Amaru. Pois a possibilidade da repetição histórica é o que transforma o desamparo em coragem. Coragem para vencer, o que parece que a esquerda na maior parte dos lugares simplesmente perdeu. Quando nas ruas de Santiago, em 2019, voltavam a tocar as músicas revolucionárias dos anos 1970, que lembravam que há de se ficar “de pé, a cantar, pois vamos triunfar”, a mesma inteligência havia retornado à cena política.

Por isso, todo este artigo era para dizer algo simples: Chile, vá em frente. Vá e vença, desta vez com Gabriel Boric. Isso não é apenas uma eleição. No Chile real, há certas eleições que não são apenas eleições. Há quase 50 anos esperamos este momento, sabendo que ele retornaria. Ele voltou, e desta vez não haverá mais bombas que consigam nos parar.

Vladimir Safatle é professor titular de filosofia na USP. Autor, entre outros livros, de Maneiras de transformar mundos: Lacan, política e emancipação (Autêntica).

Do Carta Maior | *Publicado originalmente no jornal El País Brasil.





Costumo dizer que antes de sermos profissionais do esporte, fomos torcedores.

Cada um dos colunistas do Lei em Campo antes de serem advogados, gestores, juristas ou jornalistas, foram torcedores.

Nunca escondi minha paixão pelo Clube Atlético Mineiro. Pelo contrário, sempre ostentei com orgulho o “ser atleticano”.

Meu pai odiava futebol. Minha mãe, muito embora sempre tente esconder, era cruzeirense. Meu irmão é cruzeirense.

Nasci Atleticano, sem dúvidas.

Minhas mais tenras lembranças do Atlético começam aos 6 anos, Copa União. Como chorei naquela derrota pro Flamengo.

Muitas derrotas e muitos “quases” vieram. 1991, 1994, 1999, 2001, 2012, 2020.

Meu primeiro grande título foi a Conmebol de 1992. Depois o bi em 97.

Teve rebaixamento e volta apoteótica com o incontestável título da segunda divisão no ritmo de “Vou festejar”.

A redenção veio com a Libertadores de 2013. Ronaldinho Gaúcho devolveu o Atlético para a prateleira de cima do futebol brasileiro.

Em 2014, a Recopa e a Copa do Brasil contra o então maior rival ratificou a “virada” do Clube.

Mas faltava algo!!

Faltava o Brasileirão que nos foi injustamente tirado em 77 e em 80.

A torcida evitava o tema, mas era uma obsessão.

Veio 2021, perdemos o Brasileiro de 2020 por 3 pontos. O fôlego que faltou foi preenchido com elenco. Chegou o Hulk. Chegou Diego Costa. A massa sonhava.

Perdemos a Libertadores invictos em um lance ridículo e talvez ali começamos a ganhar o Brasileiro.

Foco total. O Atleticano começou a respirar Brasileirão. Ninguém comia ou dormia direito. A obsessão invadiu nossa alma e nosso coração.

A torcida comprou a “bronca”. Foi o décimo segundo, o décimo terceiro e o décimo quarto jogador.

Ir ao Mineirão passou a ser uma obrigação. Batíamos pontos e trabalhávamos pelo Clube.

O Flamengo, de novo, era o fantasma que nos assombrava.

Os cariocas não perdiam…

Veio o jogo com o Bahia. Uma vitória nos daria a glória eterna. 50 anos depois.

Primeiro tempo trouxe um burocrático zero a zero. Começa o segundo tempo. “Pow”. Bahia 2 a zero.

Penalti pro Galo (foram muitos. Óbvio. Com o volume de jogo do time, natural que estivessem mais tempo na área e mais expostos aos penais).

Hulk diminui a diferença.

2 minutos depois, Keno empata.

Lembrei-me da semi da 87. Naquela oportunidade buscamos o empate, mas tomamos o terceiro. Dessa vez tinha que ser diferente.

Mais 3 minutos. Keno de novo, em um lance que lembrou o gol de Eder contra a URSS na Copa de 82, viramos o jogo.

Estiparvamos ali os fantasmas que nos assombraram por 50 anos.

Honramos e vingamos Reinaldo, Cerezo, Eder, Luizinho, Marques, Guilherme, João Leite, Renato, Sérgio Araújo, Paulo Roberto, Eder Lopes e tantos outros…

5 minutos resumiram 50 anos de Atlético.

Nada nunca foi fácil pra gente.

Fomos cunhados na dor, na injustiça, na raça e no amor.

Vencemos o vento, Roberto Drummond, meu patrono na Academia de Letras de Nova-Lima.

Gritamos Galo com a alma, que, sem dúvidas, Mário Marra, é melhor do que gritar é campeão.

Como disse no início, antes de tudo, sou ATLETICANO e seria impossível falar de qualquer outro tema.

Escrevo enquanto as lágrimas brotam nos meus olhos escorrem no meu rosto.

Gustavo Henrique e João Gustavo. A gente é Galo! Vocês são campeões brasileiros!


Crédito imagem: Alexandre Guzanshe/D.A Press 

Gustavo Lopes

Professor, consultor, parecerista, mestre e doutorando em Direito Desportivo. Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e presidente do Instituto Mineiro de Direito Desportivo. Escreve na coluna “Desporto: temas, textos e contextos” todos os domingos.
Siga nas redes sociais: @leiemcampo

 




Recordações
. De um tempo que se foi. Porém, a atual velha guarda, a denominada terceira idade, vivenciou-as. Para essa turma, fatos de 50 a 70 anos atrás parecem que aconteceram ontem. Um ontem imensurável. Um ontem chamado também de outrora. Alguma coisa muito interessante pode ser destacada. São, então, as recordações de outrora. Como a atuação da Igreja Católica diante dos filmes em exibição, a celebração da Santa Missa, como o Ginásio Dom Lustosa lidava com a religiosidade dos alunos, o luto familiar quando falecia membro da família, o rádio e os costumes na sexta-feira da Paixão, palavras usuais e tantas lembranças que se tornaram indeléveis.

A IGREJA E (ATÉ) FILMES (PROIBIDOS) – Nos anos 50 e 60, havia a cotação legal (cívica), afixada nas entradas, dos dois cinemas da cidade (Cine Patrocínio e Cine Rosário), que era “filme para maiores de 18 anos, ou 14 anos, ou 10 anos ou livre”. Além dessa classificação, tinha a cotação de filmes da Igreja Católica, afixada na entrada principal da Igreja Matriz Nossa Senhora do Patrocínio. Referia-se aos filmes da semana. Essa cotação moral mostrava a rigidez da Igreja com o que ela entendia como sendo moralidade. Os filmes eram denominados assim: condenado (proibido para todos – era pecado assistir ao filme); prejudicial (só para adultos, mas com restrições); filmes para adultos (maiores de 18 anos, hoje, poderiam esses filmes serem comparados com as novelas de 18 horas); filme tolerável (muita restrição), e o filme livre (bichos e de crianças).

EXEMPLOS – “... E Deus Criou a Mulher” com a atriz francesa Brigitte Bardot foi um filme condenado (apenas insinuações e poucas cenas similares às novelas das 19h, hoje). “Marcelino, Pão e Vinho” é um filme livre com o espanhol Pablito Calvo. “Sissi, a Imperatriz” com Romy Schneider, filme infanto-juvenil puro, que foi cotado “para maiores de 14 anos”, pela Igreja.

MISSA – Até 1962/1965, a Santa Missa era celebrada em latim, com o sacerdote voltado para o altar e de costas para os fiéis. Apenas membros do clero participavam da celebração (mulheres não participavam). A comunhão, por exemplo, na Igreja Matriz era distribuída apenas por padres. Os fiéis ajoelhavam-se no murinho em volta do altar para receber a santa hóstia. E preferencialmente as mulheres ficavam do lado direito e os homens do lado esquerdo da Igreja. Também na entrada principal havia o aviso para as mulheres: saia justa e roupa decotada não eram permitidas.

AUSÊNCIA À MISSA: PECADO E NOTA BAIXA – Os alunos do Ginásio Dom Lustosa (só meninos) eram obrigados a irem à missa, às 8h, aos domingos e dias santos. O controle se realizava por meio da caderneta escolar (cada aluno possuía sua caderneta do ano que registrava a presença ou ausência diária às aulas e a missa aos domingos, além das notas em todas as matérias). No domingo, o aluno apresentava a caderneta a um aluno designado pelo diretor (Ademar Nunes, o denominado “Bagunça”, foi um desses alunos) na entrada da Igreja, antes do horário da missa. Durante a celebração, a caderneta era levada à sacristia onde recebia o carimbo “MISSA”. Na segunda-feira, o aluno que não tivesse esse carimbo na sua caderneta teria que apresentar atestado médico ou justificativa maior feita pelos pais, senão era suspenso de aulas ou teria pontos tirados nas provas mensais. Além de tudo isso, os alunos, na primeira sexta-feira de cada mês, eram obrigados a participar de culto religioso em frente a imagem de Cristo, no jardim central da escola, antes de serem iniciadas as aulas.

O LUTO – Quando alguém perdia familiar direto, por falecimento, após a missa de 7º dia, vestia todo de preto, por pelo menos um mês. Há casos de ocorrência anual. Os mais modernos colocavam uma fita preta na camisa ou no vestido.

RESPEITO À PAIXÃO DE CRISTO – Sexta-feira da Semana Santa era o dia para não fazer nada. As emissoras de rádio (a TV ainda engatinhava) apenas tocavam músicas clássicas. A Difusora não operava. A Rádio Nacional do Rio (a TV Globo de hoje), no lugar de suas novelas, apresentava episódios da vida e morte de Jesus durante o dia (como se fosse uma série). Dia de jejum, comer carne nem pensar, nem varrer casa podia. A procissão do Enterro (19h) tinha a participação de quase toda a cidade. Uma multidão com velas nas mãos.

PALAVRAS DE USO COMUM – Vamos comer “pelota”? Pelota é almôndega (carne). Naquele armazém tem “manteiga de leite”. Uai, precisava dizer “de leite”? Sim, pois “banha de porco”, gordura, era também denominada “manteiga”. “Pão sovado” parece que não existe mais. “Bolacha Maria”, “bolacha champanhe”, não seriam hoje biscoitos? Você está namorando aquele “biscate”? “Biscate” era moça fácil, topava tudo, sem ser prostituta. E quem namorava “biscate” era “biscateiro”. Preciso fazer uma “catira” com meu amigo. Explicando, “catira” é troca de mercadorias, troca de bens populares, praticamente se envolver dinheiro. E quem fazia “catira” era “catireiro” (relógio por rádio, botina por chapéu, roupas, etc.). Vicente Caldeira, que “tinha uma venda” (pequenino armazém que vendia pinga e cereais a quilo), à Rua Cassimiro Santos com Rua Bernardino Machado, e, José Mendes (servidor do Fórum), lideravam as “catiras”.

MAIS PALAVRAS HOJE EM DESUSO – “Carapina” é carpinteiro, é marceneiro. No futebol, às vezes o goleiro era denominado “arqueiro”, zagueiro era “beque” (do inglês back), e ainda “ponta-direita”, “centroavante”, “ponta-esquerda”, “alfos” (half), esse era o meio de campo. Você parece um “dorado”. Eram pessoas claras e aloiradas, geralmente andavam quase em fila indiana pelas ruas da cidade. Gostavam demais de rosca e a origem predominante era a região de Dourados e no então bairro Vila Constantino. Há versões que seus antepassados vieram da Europa (talvez, Hungria).

DIALETOS COMERCIAIS... – Na padaria encontrava-se “pão de sal”, “pão doce”, “pão sovado” e “rosca”. Mulher não entrava em bar... radiola tocava long-play (LP), compacto e 78 rotações (discos populares de vinil com duas músicas), e, sintonizava emissoras em ondas médias (AM) e curtas (nem havia o FM). “Guarda-livros” era o atual contador. E a escola de contabilidade era chamada de “Escola Técnico de Comércio”. Calça jeans era calça “Far-west”. Taxista chamava-se “chofer de praça”, rapaz bonito era um “pão” e moça bonita uma “uva”. “Mascate” era o vendedor ambulante, que ia de casa em casa, com a sua mala, vendendo roupas e colchas. Mulher não usava calça comprida, mas quando começou a usá-la, no final dos anos 60, a calça era denominada “eslaque” (slack). “Casimira”, “linho”, “brim”, “tergal”, “seda” e outros termos no comércio de roupas. “Tempo de dentista prático” (sem formação acadêmica), como Modesto Teixeira e “rábula” (advogado sem ter ido à escola), como Benedito Caldeira.

ESSA ÉPOCA EXISTIU – Nos anos dourados era assim. Anos 50, 60 e parte de 70. Nos dias atuais tudo isso é tão somente mais um agradável retrato na parede. Vale recordar. E curtir.

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Dos 34 municípios que formam a Região Intermediária de Patos de Minas, incluindo Paracatu, Unaí, São Gotardo e redondezas, Patrocínio tem 100% de cobertura de água

Valor. O histórico é imensurável. É subjetivo. Mas existe. Que digam cidades turísticas como Ouro Preto, Congonhas, Sabará, Diamantina, Paracatu e até Estrela do Sul, por exemplo. Porém, Patrocínio, que tem 250 anos de fundação e 180 anos como município (completa em abril próximo), pouca coisa tem para demonstrar o seu rico e magistral passado. Ao longo dos anos, maravilhosas construções foram perdendo espaços para construções tidas como “modernas” ou até para lotes “vagos”. Total insensibilidade cultural. Total desprezo a terra natal.

PRIMEIROS ANOS DE VIDA NENHUM REGISTRO – A Fazenda Bromado do Pavões (a principal da Picada de Goiás), o Quilombo da Pernaíba, onde o poderoso Rei Ambrósio teria morrido (provável promotor/incentivador do dialeto Calunga), a primeira capela de Nossa Senhora do Patrocínio, enfim, tantos marcos do tempo da criação de Patrocínio em que não há nada, nada mesmo, sobre eles.

VÉSPERA DA EMANCIPAÇÃO, POUCA COISA HÁ – No tempo da Independência do Brasil, anos iniciais do Império, existem escritos de cientistas e naturalistas que visitaram à região. Tais como o francês Auguste Saint Hilaire, o médico de Praga Johann Emannuel Pohl e o engenheiro alemão Eschwege. O primeiro Censo de Patrocínio, ocorrido quando era distrito de Araxá, também chamado de “Mapa da População” encontra-se no Arquivo Público Mineiro. E neste está evidenciado a origem da família do Índio Afonso, o mais célebre personagem da história patrocinense. Sobre sua origem não há nenhuma pesquisa ou indicadores. Apenas o escritor Bernardo Guimarães, quarenta anos depois (1872), escreveu bem a respeito do Índio Afonso. Porém, focalizou apenas sua primeira fase de vida. Todavia, o livro, mesmo assim, tornou-se um dos mais lidos da literatura nacional. A saga cinematográfica de aventuras teve sequência.

AINDA NO ADVENTO DA EMANCIPAÇÃO – Esse Censo de 1832-1835 apresenta todos os moradores de Patrocínio, nome por nome. E todas as casas, uma a uma, e quem morava em cada. Eram 1.649 habitantes no distrito, entre livres (1060) e escravos (599). Eles residiam em 234 casas (casebres). Na casa “1”, residia o padre José Ferreira Estrella, o primeiro vigário da primeira paróquia, N. S. do Patrocínio. E na casa “206”, a lendária família Afonso. Infelizmente, a cidade não tem nenhum registro dessa época. Lamentável. Será que a Igreja tem algo sobre o sacerdote Estrella?

O TEMPO PASSANDO... A DESTRUIÇÃO SEGUINDO – Vieram as histórias dos dois Rangel, o mais poderoso e o folclórico. Veio o Cel. Rabelo, prefeito, deputado e único barão de Patrocínio. Veio o registro fotográfico de seu casarão no Largo da Matriz, por volta de 1880. É a foto mais antiga de Patrocínio, guardada na Biblioteca Nacional. Graças a Deus! Pois se estivesse, em Patrocínio já estaria de mãos em mãos. E não na Casa da Cultura. Veio o primeiro jornal patrocinense “O Patrocínio”. Vieram outros jornais históricos como o “Cidade de Patrocínio” (1910-1929). Nada registrado. Aliás, há anos, verdadeiras joias jornalísticas teriam desaparecido da Casa da Cultura (alguns exemplares, foram recuperados). Vieram os primeiros prefeitos chamados de agentes executivos. Pouca coisa se sabe desse tempo de ouro.

O CRESCIMENTO URBANO DE PATROCÍNIO – A hoje cidade surgiu à beira de um límpido córrego, bem depois chamado de “Corgo do Rangel” (na região do bairro Morada Nova), em um lindo verde campo. Foi expandindo até à Praça da Matriz, passando pelo Largo Tiradentes (praça da antiga Cadeia Pública). Essa expansão durou mais de 130 anos. Nesse período, apareceram a Fazenda Bromado dos Pavões, o lugarejo Catiguá, o povoado de Salitre, o arraial de N. S. do Patrocínio, a Vila e finalmente a cidade de Patrocínio (1874). Nessa época, o Largo da Matriz despontou como o centro comercial e político. Por isso, a prefeitura (casarão da Casa da Cultura) e a igreja Matriz de duas torres foram edificadas lá. Já no começo do século XX apareceram o Hotel Globo, clube social, Escola Honorato Borges e as melhores casas, inclusive o belo casarão do Cel. João Cândido de Aguiar. Muito pouco resta para contar documentalmente a história do Largo da Matriz.

PATROCÍNIO PODERIA TER DUAS LARGAS PRAÇAS – Como nas cidades mais evoluídas do mundo, a cidade teve chance de ter uma Praça Honorato Borges bem maior. No princípio do século XX assim o era. Teve uma segunda chance com a Praça Santa Luzia, que naquela época ocupava o espaço da (hoje) Rua Gov. Valadares à Rua Presidente Vargas. Lotearam-na. Cortaram as árvores. E a reduziu. Aliás, até a Praça da Matriz teve desejo de um prefeito em loteá-la no passado distante, segundo dizia Sebastião Elói.

E AS AGRESSÕES URBANAS CONTINUARAM – Reformas no Ginásio Dom Lustosa e Escola Honorato Borges tiraram parte de suas arquiteturas originais, há cerca de 40 anos. Maravilhosos casarões de figuras históricas tornaram-se retratos na parede e ou lotes. Isso é cultura? Isso é progresso?

DEFINITIVAMENTE... – A cultura, e a inteligência, não são contra o desenvolvimento. E sim, a favor. Sem, entretanto, sacrificar o patrimônio histórico. Há lugar para os dois. Um sustenta o outro. Os dois juntos (desenvolvimento e história) são, sim, evolução! Evolução rumo a um digno futuro.

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