Por Ivan Batista da Silva
Em todos os povos, primitivos e atuais, existem a visão messiânica e os mitos. Os mitos vivem na memória coletiva, se fundam na tradição e preexistem no subconsciente coletivo. Dela, a memória coletiva, se extraem, também, a visão messiânica atribuída, por motivos diversos, a determinada pessoa.
O messianismo se fundamenta em dois aspectos: em primeiro lugar, na crença do retorno de uma pessoa dotada de poderes especiais que trará paz, prosperidade a um povo. Num segundo aspecto, refere-se a movimentos ou atitudes em torno de uma pessoa profética capaz de cumprir tarefas superiores, capazes de vencer situações existentes, de se sobrepor à realidade e construir um mundo onde haverá harmonia, paz e bem estar. Tem o poder de arrastar multidões, seguidores, muitas vezes, fanáticos. Por isto se transforma em mito
O mito do retorno mais conhecido é o chamado sebastianismo. Com sua esquadra de 500 navios e quase 23 mil homens, Dom Sebastião, rei de Portugal, foi derrotado e morto na batalha de Alcacer Kibir, no Marrocos em 1578. O reino português passou para o domínio dos espanhóis. Por muito e muito tempo, criou-se em Portugal o mito de que D.Sebastião, por não ter sido encontrado seu corpo, estaria vivo e voltaria para conquistar a independência de Portugal, libertá-lo do jugo da Espanha.
Na história brasileira, o messianismo mais conhecido é a história de Antônio Conselheiro que, arrastou uma multidão. Reunindo ex-escravos e um povo famélico, prometia a derrota dos fazendeiros e uma vida nova de prosperidade, onde todos tinham as coisas em comum. Construiu igrejas, ajudou os necessitados. Chegou a reunir seus seguidores em Canudos e foi derrotado na quarta expedição militar da guerra de Canudos.
Messiânica também foi a coluna Prestes , percorrendo 25 mil quilômetros do sul ao nordeste do país, sem arrastar multidões, mas com a visão utópica de combater a situação vigente, o status quo e assumir nova forma política. Carlos Prestes recebeu de Jorge Amado a alcunha de “O Cavaleiro da Esperança”. Na vida de padre Cícero, o messianismo se torna mais claro porque associado à religiosidade. Todos esperavam de padre Cícero suas curas, uma vida melhor.
Messianismo e mitos existem em todas as culturas, subsistem no subconsciente coletivo. A visão messiânica se abstém da realidade, deforma o cotidiano e cria uma confiança cega em alguma pessoa , a visão do herói, capaz de transformar a vida das pessoas.
Aqui cabe a análise de Jair Bolsonaro. Cabe-nos perguntar: por que uma grande parte da população o chamam de Mito? O que ele tem de especial? Não se trata de mero apelido, ou de opção política. Para seus seguidores, ele não é uma pessoa comum. Trata-se de uma crença coletiva de que ele é capaz de conduzir o povo, eliminando os inimigos(um deles, o comunismo) O mito sai do cotidiano, do corriqueiro para assumir a condição de herói, capaz de se situar em uma condição supernatural. Não importa a seus seguidores se Jair é inteligente ou não, se é bom político ou não, se é coerente ou não. Importa que ele e só ele é capaz de apontar caminhos para uma vida nova, para construir um Brasil novo. Não apenas para uma pessoa, mas para um grupo, portanto para a coletividade. Independente da classe social, se pobre ou pessoas abonadas, quem o segue não vê os tropeços políticos, não vê as incongruências do homem cotidiano. Vê somente uma pessoa conhecedora da forma de criar uma vida nova, a quem se dedica uma confiança absoluta na busca de um mundo perfeito, superpondo-se à realidade cotidiana com obsessão, e até fanatismo
Mas o tempo mítico só se estabelece depois que se destrói o tempo atual, as situações atuais que impedem a criação de um mundo novo. Abstendo-se das situações e conotação políticas, o oito de janeiro, não seria, para os que têm em Jair um mito,(manipulados ou não),uma forma de destruir o velho para estabelecer no novo? Na visão deles, o STF e o Congresso são instituições arcaica, incapazes de apresentar soluções, de indicar caminhos e , por isto, tornou-se necessário destruí-las. Qual o conhecimento ou a concepção política do homem que no STF atira o relógio ao chão? Nenhuma. Não será ele uma manifestação do subconsciente mítico coletivo de destruição do velho para construir o novo? Na visão mítica, trata-se de abolir o tempo decorrido, de “voltar atrás” e recomeçar a vida com as virtualidades intactas. O messianismo e mito são arquétipos coletivos que retornam sempre em situações em que se põe à prova a vida humana, explodem em uma ardorosa fixação por alguma coisa que se sobrepõe ao cotidiano.
O messiânico Jair Messias encarna de tal forma o ideal de uma grande parte da sociedade que qualquer mudança de sua conduta( a perda do poder) gera uma verdadeira crise(8 de janeiro). Supera-se a crise, devolvendo-lhe a conduta do povo, permitindo-lhe(através do poder político) traçar novos caminhos. Não o conseguindo no 8 de janeiro, alimentarão a ideia do retorno(como D. Sebastião), até as próximas eleições. O interessante é que esta visão mítica não está apenas em uma classe social. Da elite brasileira à camadas populares a visão sobre Jair Messias está impregnada do herói que ele soube construir tão bem. Com um marketing bem dirigido, através do cercadinho, das motociatas criaram a ideia do homem , do herói político que se aproxima do povo o qual se deixa conduzir abstraindo-se do cotidiano para exaltar o mito, o messianismo. O mito não morre, renasce por si mesmo, renasce de uma facada.
O mito escapa do domínio da ciência, da racionalidade. Pessoas de ótimo nível intelectual acreditam piamente que as eleições foram fraudadas, negam a vacina porque seu herói também assim o faz. Há uma confiança cega e tudo que provém do pensamento e atitudes do mito torna-se pura verdade. É na realidade a expressão de uma pulsão proveniente das profundezas do psiquismo coletivo. Este, o psiquismo, alimenta um conjunto de sonhos, ilusões, de esperanças que na primeira oportunidade assume caráter real. Quando surge uma personagem revestido de poder estes sonhos e esperanças explodem, se solidificam na coletividade e alimentam as crenças e visões das pessoas dispostas a seguir em tudo o que o mito lhes propõe. Tornam-se obsessivas, fanáticas e tudo se manifesta acima do racional. Tenho certeza de que grande parte das pessoas acampadas em Brasília, não souberam dizer o porquê estar ali. Não estavam ali para baderna; estavam, sim, para expressar, até de forma inconsciente, que apoiam seu líder, ou porque, na sua concepção, seu líder queria que ali estivessem.
Não se pode ver esta obsessão em torno de Jair Messias apenas dentro do espectro político, partidário ou não. Claro que esta ideologia existe, há o marketing, o interesse pelo cargo. Isto não se discute. Mas não é sob este aspecto, ou unicamente sob este aspecto que a população vê o ex-presidente. Grande parte da população que participa das manifestações das passeatas, não o faz por bandeira partidária, faz para seguir ou reverenciar seu líder.
Afinal, ele é Jair Messias, o messiânico, o mito.
Mohamed Hassan | Pixabay